quinta-feira, 1 de abril de 2021

A Doideragem: como tudo começou

 


Imagem de apresentação do blog A Doideragem com montanhas sob nevoeiro e ao fundo um por do sol alaranjado.
A Doideragem: o início dessa construção. Eu buscava algo novo para retomar minha vida em novos patamares. Acreditava que esse novo seria a realização de projetos sociais.
Mas Deus me fez ver que era ele próprio o novo em minha vida. O novo por excelência!


A DOIDERAGEM: COMO TUDO COMEÇOU

DOS ANTECEDENTES DA CRIAÇÃO DO BLOG A DEUS COMO EXPERIÊNCIA CONSTRUÍDA

Você está numa sequência de dois conteúdos.
Para ver o conteúdo anterior clique aqui.

INTRODUÇÃO

Este conteúdo retrata o contexto de surgimento do blog A Doideragem e as formas como Deus se manifestou em minha vida na condução dos processos relativos. É um relato pessoal de fé em Deus e um pouco da minha história de vida. Depois de me dedicar aos cuidados de minha mãe nos últimos anos de sua vida, eu buscava algo novo para o meu recomeço. Acreditava que o novo seria os projetos sociais de meus desejos há muito guardados.

Mas Deus me fez ver na implementação de um deles que a grande novidade em minha vida era ele próprio.  Compreendi que Deus se utilizara dos projetos para me fazer perceber sua presença em minha vida. Por meio deles, ele me mostrou uma consciência de mim que eu não tinha. A consciência de uma vida baseada em seus ensinamentos.

Este conteúdo retrata o início dessa história pessoal de vida e sugere a sua continuidade em conteúdos sequenciais. Por meio deste e dos conteúdos da sequência é possível se compreender como Deus realiza nossos desejos quando o inserimos em nossa vida. Quando com ele construímos uma experiência. Uma experiência em Deus. É o que procuro demostrar no relato a seguir.


EM BUSCA DE ALGO NOVO... DEUS COMO RESPOSTA

Era abril de dois mil e dezessete. Eu havia acabado de ficar sem minha mãe. De deixar de ser filha. Havia completado um mês de sua partida.  Então eu me preparava para ser eu sozinha na casa que fora dela. E que eu me acostumara a chamar de minha. Desde menina. A casa que eu via se esvaziar ao longo dos anos. Que eu via cada um de meus irmãos e cada uma de minhas irmãs seguindo o seu rumo. Até ficarmos apenas minha mãe e eu. Então havia chegado o dia dela. O dia em que ela também seguira o seu rumo. O rumo definitivo. Aquele que meu pai tomara dezessete anos atrás. O rumo junto ao Pai.

Então era hora de eu retomar a caminhada. A minha caminhada como eu sozinha. Enfrentar uma realidade outra. Uma realidade que eu queria nova. No fim daquele primeiro mês sem ela, uma pergunta girava em meu entorno: o que você pretende fazer agora? Essa pergunta ecoava como que um imperativo velado: decida o que você vai fazer da sua vida agora! 

Era de trabalho que me falavam. Eu não sabia. A única coisa que me parecia o alvo mais certeiro: não fazer nada que eu já tivesse feito. Queria traços novos. Abrir minhas próprias veredas. Experimentar minhas próprias algemas. Não as institucionais, algo que eu já conhecia e que me pareciam permanecer as mesmas. 

Imagem de desenho ilustrando céu azul, estrada, montanhas e uma mulher olhando o horizonte por detrás das montanhas.
A Doideragem: como tudo começou - Imagem 1


A ideia de retomar caminhos percorridos em nada me motivavam.  Nela era a repulsa o que eu via. Afinal, os meus cinquenta e seis anos de idade mereciam a novidade de um recomeço sob novos patamares. Que assim fosse! Assim seria!

Fazia cinco anos que o meu telefone quase não me chamava. O tempo de cuidados com a minha mãe de forma mais intensiva. Uma vez ou outra é que eu o ouvia. Até me assustava. Cinco anos ausente do mercado. Fora das relações de trabalho e até das de amizades. Cinquenta e seis anos não era um número qualquer. Se um dia o fora, sem dúvida noutras paragens. Não em se referindo à idade. Era um número com o peso de mais de meio século. Um desafio e tanto reencontrar um lugar no mercado. Era quase uma sentença de que eu não conseguiria.

Mas nesse fato eu não via problema algum. Nada que me tirasse o sono. Encontraria meios próprios. Também havia quem pudesse me inserir. Disso eu não tinha dúvidas. Mas em estradas nas quais eu já havia deixado alguma pegada. Tanto num caso quanto noutro. O problema então era o algo novo que eu buscava. O caminho não percorrido. A incerteza que faria meu coração vibrar. Pular fora do prumo. Que tornaria a minha alma alerta. 

Foi então que conversei com Deus. Um caminho que eu havia aprendido a trilhar de forma consciente em determinados momentos da minha vida. E que eu havia reencontrado nos cuidados com a minha mãe. Então mais uma vez ele veio ao meu auxílio.

Naquela noite, eu estava ensimesmada com essa minha questão. O algo novo. Então me postei diante de Deus e lhe pedi: “Senhor, se não houver nada de novo que eu possa fazer nesta vida me leve. Eu estou pronta.” Povoava minha mente histórias de pessoas findadas no sono. Pessoas que haviam dormido e acordado noutro mundo. Foi o que eu pedira a Deus naquela noite. Não um acordar noutro mundo qualquer, mas junto ao Pai. Caso nada de novo me houvesse. 

Eu experimentava uma sensação tão boa dentro de mim. De dever cumprido. De liberdade. De alma leve. De gratidão. De fé em Deus. Com ela, adormeci.


MEUS DESEJOS NAS MÃOS DE DEUS

Era ainda madrugada quando acordei. Uma sensação de alegria pulsou dentro de mim. A alegria de estar viva. Mas o relógio na parede não me deixava dúvidas. Ainda faltava pouco mais de duas horas para o amanhecer. Duas horas! O que poderia me acontecer naquelas duas horas? Muitas coisas. Inclusive o meu acordar noutra vida. O meu desligar-se do mundo. 

Mas o que eu precisava mesmo era aproveitar aquelas minhas duas horas. Aproveitar dormindo. Girei meu corpo sob o lençol e retomei o meu sono santo. Embalada numa quase certeza. Um desejo. De que no final daquelas duas horas eu veria o sol brilhando novamente. Como tantas vezes o vira ao amanhecer. Certamente! Seria o sol uma das muitas coisas a brilhar para mim naquele dia. Assim seria. Com fé em Deus.

E foi. O dia despontou junto com os raios do sol. Um amanhecer iluminado. Com ele, o meu acordar. Um despertar como jamais houvera outro. Prenhe de alegria e de esperança. Iluminado sob aquele sol de quase maio. Sem dúvidas viriam sim coisas novas para mim.  Novas e boas. Senão Deus não me concederia um acordar tão intensamente maravilhoso como aquele. Não depois de eu lhe ter devolvido a minha vida.

Levantei-me então na velocidade que me permitia a alegria sentida. Corri para o quintal. De braços estendidos agradeci a Deus por mais aquele dia.  Também pela esperança renovada. Não era apenas o sol brilhando lá fora. Mas o prenúncio de uma nova aurora em minha vida. Era o que eu sentia. Novos amanheceres para os meus despertares. Assim seria.

Imagem de uma mulher com braços erguidos em meio a gramas e plantas e ao fundo o sol nascente por detrás de uma casa com varanda.
A Doideragem: como tudo começou - Imagem 2


Mas quanto ao algo novo eu nada atinava. Então fui ter com a Bíblia. Pedi a Deus que me iluminasse com sua Palavra; que me desse alguma luz. Abri a ermo. A leitura me falava de desejos realizados. Algo do tipo todos os seus desejos serão realizados. Mais ou menos isso. Mas não foi uma leitura completamente clara para mim. Eu teria que ler novamente.

Então cuidei de deixar aquela página marcada. Era hora de enfrentar as primeiras tarefas do dia. Então lá fui eu. A pia na minha frente parecia sorrir para mim. Mas eu continuava mesmo era ensimesmada com a leitura. Tentava entender sua relação com o algo novo de meus intentos.  

Mas naquele momento, porém, era a pia que adentrava o meu horizonte de reflexões. Cada louça que eu pegava parecia querer extrair dela uma resposta. O que tinham a ver os desejos realizados com o algo novo que eu buscava? Meus pensamentos rodopiavam. Iam e vinham sem nada dizer.

 Concluído então o meu momento de pia, tentei retomar aquela leitura para melhor compreender o seu contexto. Mas ao abrir a Bíblia, a página desmarcou. Não lembro o que houve. Só sei que o marcador pulou fora do lugar e eu perdi aquela página em meio à multidão de tantas outras tão aparentemente iguais. Tentei encontrá-la numa folheação desenfreada. Eu realmente não queria nada. Apenas encontrar a minha agulha no palheiro. Mas o que encontrei foi um pedaço de papel. Tosco e rabiscado. Mas de grafia perfeitamente legível. Nele reconheci rabiscos meus.


“Em tuas mãos, Senhor, eu coloco os meus desejos de realização. De hoje em diante não me preocuparei mais com eles, pois sei que estão em boas mãos. Só vou me preocupar com os cuidados com a minha mãe e dar continuidade ao Sequelados porque eu já comecei. Todo o resto que está no plano de meus desejos de realização eu deixo contigo.”


Então lembrei do contexto no qual havia escrito aqueles rabiscos. Também da noite em que os escrevera. As lembranças me eram bastante claras. O ano era dois mil e dezesseis. O ano do impeachment da presidenta Dilma. Um momento de intensa movimentação popular. Intensas manifestações de rua. Bandeiras contra e a favor do impeachment

Manifestações das quais eu não participara. Esse fato muito me incomodara e me deixara de coração aflito. De pensamentos fora do lugar. Tanto a minha ausência de participação quanto o momento em si. As circunstâncias nas quais acontecera a votação do impeachment da presidenta, inclusive frente às posturas de deputados e deputadas no momento de votarem o simMomento cujas imagens povoavam a minha memória. Imagens do dia da votação na Câmara dos Deputados. 

Exatamente um ano atrás. Eu acompanhava pela televisão. Agoniada. Inquieta. Difícil acreditar no que via. Difícil acreditar na postura daqueles deputados e deputadas na hora da votação. Difícil acreditar que havíamos descido num nível tão baixo de representação. Você gostaria de conhecer minha impressão sobre aquela votação? Clique aqui. 

Na noite daquele dia fui dormir com o coração atribulado. Como fazia sempre, acordei de madrugada para observar minha mãe nos meus cuidados noturnos. Agachei-me ao lado da sua cama. Numa observação persistente. Ela dormia tranquilamente. 

Permaneci naquele observar por um bom tempo. Meu coração continuava inquieto. Era todo rebuliço. Em meio à ruminância de meus pensamentos, questionei Deus: Senhor, será justo que eu perca anos da minha vida cuidando dela? Ela já viveu a vida dela!... É justo que eu deixe de viver a minha vida por causa dela? Eu estava com o peito em chamas. Pela primeira vez, eu me questionava. Desde que iniciara os cuidados com ela quatro anos atrás. Pela primeira vez, eu duvidava da minha escolha.

Com o coração inflamado nas dúvidas, procurei retomar o meu sono. Mas algo estranho aconteceu. Não sei se sonho ou uma visão. Só sei que me vi olhando uma passarela na qual passavam imagens da minha vida. Só havia eu olhando aquele desfile repleto de vivências minhas. Cada imagem carregada de muita luz. Era o que mais me chamava atenção. A intensa luminosidade sobre aquelas imagens. As minhas vivências destacadas naquela passarela. Era como se Deus me dissesse a cada imagem sob os meus olhos: Veja! Veja! 

E eu via tudo muito claro como um raio. Momentos importantes da minha vida desfilando diante de mim. Só para mim. Despertei num espanto em meio àquelas luzes que pareciam iluminar todo o meu quarto.  Mas era sobre os meus pensamentos que elas se alojavam.

Aquelas imagens iluminadas me fizeram rever a minha vida ainda naquele instante. Cada imagem carreava em seu curso uma fileira de outras. Entendi que em todos aqueles momentos minha mãe estivera presente. Todos eles foram ela quem possibilitara. O uniforme e o material escolar de todos os anos. Nunca faltaram. Nunca me deixara passar qualquer possível constrangimento por falta deles. Lembrei de suas mãos transformando um tecido usado numa saia de uniforme. Uma saia cheia de pregas. 

Na escola, quando alguns alunos eram barrados do lado de fora por estarem sem ou com o uniforme incompleto, eu estava do lado de dentro. Em casa, quando eu menos percebia, ela chegava com alguma resposta. Sem nada dizer. Apenas chegava e me entregava, revelando estar atenta às minhas necessidades. 

Nos meus tempos de trabalho e universidade, eu não me preocupava com o meu sair de casa nem com o meu chegar. Tudo estava pronto. E não era um pronto de qualquer jeito. Era um pronto para satisfazer não apenas as minhas necessidades. Mas as minhas exigências. Tudo dentro de suas condições, mas conforme o meu gosto.

Então não me restavam dúvidas. Não havia como negar. Era justo, sim, que eu prescindisse da minha vida em favor da dela. Tudo o que eu conseguira devia a ela por me ter possibilitado o alcance. Então afirmei a Deus: Senhor, pode contar comigo. Se esta é a minha missão, eu aceito. Se foi para isto que vim, aqui estou. Reafirmei os meus cuidados com ela. Coloquei os meus desejos nas mãos de Deus. Pedi a ele que assegurasse a minha saúde. Principalmente, que me tornasse uma pessoa sem desejos para que eu não me corrompesse por causa deles. Aqueles me corrompiam. 

Foram essas as circunstâncias daquele papel manuscrito. Ao me levantar de manhã, meu coração estava em paz e minha alma alegre. Aquelas aflições todas esquecidas naquela noite. O manuscrito também. Só Deus dele sabia. Deus, que tudo vê e tudo sabe. Por isso ele o resgatara para mim na hora certa. Na hora da minha necessidade.

Entendi que os desejos de que se referira a leitura bíblica, a página desmarcada, tudo era Deus iluminando o meu entendimento. Ele em meu auxílio com a resposta de que eu precisava. O algo novo. Os projetos que há muito eu deixava para depois. Era chegada a vez deles. Os desejos que seriam realizados. Havia em mim uma expectativa nova e cheia de esperanças. A expectativa de um caminho a seguir. Também uma certeza. Deus comigo!

Imbuída nessa certeza, fui à busca dos projetos guardados. No abrir e fechar pastas e arquivos, deparei-me com uma sucessão de documentos a me mostrarem iniciativas as mais variadas ao longo da minha estrada. Algumas finalizadas: Terapia Bar e Caquetus (1997), Conselho Comunitário do Bairro Cidade Nova (1997) e Bomenu (2004). Outras deixadas para depois: Fazendo Valer o Nosso Voto (2014), ComCarinho Cuidados com a Pessoa Idosa (2014), Sequelados do Trânsito (2016). Outras em elaboração do projeto: Pé com Pé (2010), Adote & Castre (2015) e Tou na Roda (2016).

Então eu tinha muito o que mexer e remexer a minha vida em busca do que eu vivera. Retomar a reflexão a respeito daqueles projetos era um mergulho no meu passado. Todos associados a vivências minhas. Todos parte da minha história. Reformulação de alguns. Atualização de outros. Vê o que ainda era atual e o que não mais tinha razão de ser. Então eu estava diante de tarefas que seriam planejadas por todo o resto daquele ano. 

Dois mil e dezoito se aproximavam em meio às minhas expectativas de logo nos seus primeiros meses iniciar a implementação dos projetos pensados. Seria aquele o ano da testagem dos meus inventos. Eu sabia do mar revolto a atravessar. Um desafio hercúleo para mim. Afinal, aposentada eu não era. Renda eu não tinha. Trabalho remunerado eu não podia sob pena de sucumbirem os projetos. Ou era um ou outro. Eu me via diante do desafio da ameba que não sabia se mexer para dois lados ao mesmo tempo. Mas tinha que aprender.

Em meio às incertezas, de certo mesmo só a expectativa de que a implementação dos projetos me trouxesse algum retorno financeiro. O meu ganha-pão. Mais certo do que isso, só os dezessete gatos com os quais eu morava. Dezessete felinos a dependerem de mim. Também a provocarem reações repulsivas em humanos não afeitos a criaturas tão afáveis. Vez ou outra eu percebia olhares meio perplexos como a me perguntarem: por que você não se livra desses gatos?! Isto quando não soavam as palavras inteiras, inclusive com receitas prontas do tipo é assim que se livra de felinos indesejados. Mas acima de todas essas certezas, havia a certeza maior: Deus comigo! Com fé em Deus.

Eu sabia que me livrar dos gatos seria me livrar de quase trinta quilos de ração por mês. Mais uma conta a pagar quando eu não tinha um centavo de meu. Mas sobretudo seria cravar na minha consciência um dedo na ferida a me atormentar todas as noites antes de dormir. Meu caminho com os gatos era por demais longo para simplesmente ser truncado tão abruptamente. Vínculos que não se quebram tão facilmente. Principalmente quando se está tão preso a eles. Como eu.  Escolher os gatos não fora apenas uma opção. Mas um compromisso com a vida. Como eu disse, a vida de dezessete felinos a depender de mim. Entre adultos e filhotes.

Talvez por isso Deus veio ao meu auxílio. Mais uma vez. Um dos meus cunhados assumiu a ração dos gatos por aquele ano. Duas das minhas irmãs permaneceram com a ajuda financeira que destinavam aos cuidados com a nossa mãe. Essa ajuda, elas repassaram a mim. Assim eu começava a me virar com o que era prioritário. O meu nome era pressa na conclusão dos projetos. Também tentativa de foco. Busca de concentração. 

Afinal, era o meu ganha-pão que estava em jogo. O desafio era fazer os projetos gerar alguma renda. Nada fácil. Talvez tanto quanto enfrentar o meu perfeccionismo intrínseco. O perfeccionismo de uma virginiana. Da gema. Em altas doses. Enfrentar esse meu lado era entrar em conflito comigo mesma. Tornar mais tardio algum possível retorno. Mas disso, eu já sabia. 

OS PROJETOS SOCIAIS: INSTRUMENTOS DE DEUS EM MINHA VIDA

Transcorriam os últimos meses de dois mil e dezessete. Eu na elaboração dos projetos sociais. Sonhos em experimentos. Sem dúvida! Pela primeira vez em minha vida eu sonhava. Sonhos embalados na ideia de que Deus estava na minha proteção. Era assim que eu me sentia. Protegida de Deus. Pelas coisas que eu via acontecer no meu dia a dia. A ação de nosso Senhor em pequeníssimas coisas à minha volta. Foi então que entendi um provérbio que eu conhecera no meu livro de zoologia e botânica do antigo Primeiro Grau, atual Ensino Fundamental. Nos idos anos de mil novecentos e setenta. Salvo engano, um provérbio de Malba Tahan (se não, que me perdoem o equívoco) segundo o qual “Tudo para o ateu é obra do acaso, que não existe para o crente, acostumado a ver em tudo, nos mínimos detalhes o dedo de Deus, a mão da Providência.”

De todos os provérbios que havia naquele livro no final de cada capítulo este fora o único a permanecer na minha memória. Talvez por eu não o entender, embora gostasse. Mas naquelas atuais circunstâncias ele estava muito claro. Deus o resgatara da minha memória naqueles instantes precisos. E me fizera entendê-lo. Era a mão da Providência que eu começava a enxergar naquele ano. A Providência Divina nas pequeninas coisas do meu dia a dia.

Era o começo das muitas razões para eu me sentir protegida de Deus. O começo do muito que estaria por vir na minha relação com ele. Uma relação da qual eu nem ao menos tinha consciência. Então ele me mostrava. Eu vivia então momentos de plena embriaguez. Embriaguez em altas doses. Impossível não se embriagar quando se bebe diretamente da fonte. Divina fonte! 

Aquele final de ano foi um período de muita efervescência na minha vida. As coisas fluíam de um jeito que eu não entendia tão bem. De um lado, os acontecimentos no meu dia a dia. Deus comigo. De outro, a leitura bíblica a me trazer algum grau de discernimento. Do outro, a minha memória resgatada sistematicamente. Eu me percebia voltada para o meu passado numa reflexão sem fim. Não por deliberação própria. Mas por um impulso que eu não sabia explicar até então. Só uns dois anos depois é que eu viria a saber. Deus comigo.

Naquele momento, eu apenas me questionava: será a idade? Será o prenúncio da velhice? Será que todas as pessoas a essa altura da vida retornam ao passado? Então resolvi retomar a escrita de minhas memórias. Algo iniciado tempos atrás e ficado lá mesmo. Então reescrevi os textos iniciados em novo formato. Nascia assim Memórias de Mim. O projeto de um livro literário e autobiográfico que eu pretendia concluído dois anos depois. Eu não sabia. Mas estava longe de acertar. Ainda assim, o caminho se reabrira naquelas circunstâncias. Mas não avancei além das vinte páginas iniciais. A continuidade dele virá neste atual processo. Página a página. Se Deus quiser e com fé em Deus.  

Dois mil e dezessete se revelava para mim um ano atípico. Um ano como eu jamais vivera. O ano da minha maior perda. Mas também das minhas utopias. Era tudo o que eu conseguia ser. Apenas utopia. Desejos de realização. Fora isso, o aprender a morar sozinha. Experimentar uma vida-nuvem. Uma vida não-suporte. Também a liberdade do fazer autônomo por meio da elaboração dos projetos sociais. Deixar a criatividade fluir. Inventar modos de fazer. Dar forma a pensamentos próprios. Um ano bastante criativo. De alegria interior. Disposição para a vida que recomeçava. A dor da perda já não era tanta. Deixara em seu lugar as lembranças. Suaves e reconfortantes lembranças para o ano do meu recomeço. Em tudo, caminhos que se abriam a aprendizados novos. Assim foi.

Mas eu vivia um desconforto em tudo de bom que me acontecia. Eu me sentia incomodada ao agradecer a Deus por tudo. Todas as vezes em que me curvava diante dele para agradecer eu lembrava de minha mãe. E sentia uma estranha sensação. Era como se eu agradecesse a sua morte. Talvez eu ainda estivesse presa aos cuidados para com ela. Eu precisava então desconstruir a ideia de que eu só retomara a minha vida porque ela perdera a sua. Para superar essa ideia, eu procurava afirmar então os ensinamentos de nosso Senhor Jesus Cristo. A tudo dê graças. A tudo agradeça. Deus dá, Deus tira, como afirmara Jó na sua aceitação da vontade de Deus. Então eu também só tinha que aceitar. Sem sentimento de culpa ou perda. Assim foi. Assim é. Assim será. Se Deus quiser e com fé em Deus.

Dois mil e dezoito me encontrou plena de esperanças. Embalada numa sensação de vento novo no ar. Ações novas a concretizar. Eu concluíra alguns projetos e os julgava aptos à implementação.  Pensando no meu ganha-pão, deixara neles portas abertas para quem pudesse e quisesse contribuir. Eu sabia que teria de "tirar leite de pedra" para alcançar esse intento. Conquistar colaboradores financeiros certamente não seria tarefa tão fácil.  Nem colaboradoras. Eu já conhecia relatos sobre a dificuldade de instituições que dependiam de doações de terceiros. Geralmente viviam entre o ai-ai-meu-Deus e o mamãe-me-acuda. Mesmo instituições filantrópicas idôneas. Quanto mais eu que nem instituição era.

Mas era esse o meu caminho a trilhar. Fora o que me ocorrera como único jeito.  O jeito então era arriscar e vê o que aconteceria. Então os projetos estavam prontos para serem implementados. Os reajustes ocorreriam no processo. Todos inseridos numa proposta única que eu intitulava SMF Projetos Sociais. Um distintivo a indicar projetos de autoria pessoal aos quais eu procurava imprimir desde logo uma marca profissional. Assim nascia a SMF Projetos Sociais. Um arcabouço do tipo guarda-chuva para abrigar os projetos sociais de minha autoria. Uma proposta em início de construção. Sem registros formais.  

Com essa intenção, eu decidira então começar com a implementação do Fazendo Valer o Nosso Voto. Um projeto bastante complexo de incentivo à participação política. Estávamos num ano eleitoral. Então seria um projeto bastante oportuno. Inclusive, uma de suas ações era ferramenta de participação da população no processo eleitoral daquele ano. Mas devido à sua complexidade, ele requisitava parcerias na execução das ações. Na busca das parcerias previstas, conheci não apenas o insucesso, mas também a indiferença em forma de negativa. O imperativo então era tentar novas estratégias. Foi o que fiz. Sem êxito também. O caminho de implementação daquele projeto se revelava bastante obstruído. Eu não encontrava o passo. 

Mesmo assim eu prosseguia. Apenas tentando novos rumos. Havia pensado as parcerias por acreditar naquele como um projeto grande demais para eu conduzir sozinha. Mas na impossibilidade delas, eu decidira que seria eu sozinha. Eu mesma. Afinal, quem aceitaria seguir ao lado de uma desconhecida como eu? De uma ninguém qualquer? De uma pessoa sem status? Sem dinheiro no bolso? Sem amigo nem amiga na praça? Somente Deus mesmo! Foi então que mais uma vez nosso Senhor me socorreu. Mais uma vez ele veio ao meu auxílio.

Eu lhe pedi que me mostrasse um meio de conduzir aquele projeto. O Fazendo Valer o Nosso Voto. Por ser o primeiro na fila da implementação, era o primeiro a me mostrar os obstáculos. O primeiro a me ensinar que não bastava uma ideia a ser apresentada. Antes eu teria que provar que ao menos sabia pensar. Só então requisitar autoridade sobre o meu pensar. Eu não tinha como provar. Não nas portas que tentara abrir. As portas das parcerias que eu tentara buscar. Todas se revelaram percursos errados. Barreiras intransponíveis para mim. O jeito então seria recorrer a Deus. Então eu lhe pedi: Senhor, abre para mim alguma porta onde eu possa falar desse projeto às pessoas e alcançar adesões.

Logo obtive resposta. Uma resposta que julguei imediata. Mas eu estava longe de entender os caminhos de Deus nosso Senhor. Hoje eu sei. Ainda não era a resposta. Não a resposta conclusiva. Mas Deus não apenas me colocara no caminho de suas respostas como começava a me abrir portas que eu jamais imaginara. Principalmente, as portas do entendimento de mim mesma. 

Imagem de uma mulher sentada sobre a grama e encostada a uma árvore olhando o horizonte.
A Doideragem: como tudo começou - Imagem 3


Estávamos então em dois mil e dezenove. O ano em que Deus me levava a me conhecer melhor. A tomar uma consciência de mim para a qual eu jamais atentara. Eu sabia apenas que eu era uma incógnita para mim mesma. Que havia um lado meu que não se mostrava para mim mesma. Para os outros talvez muito menos.

Às vezes eu me percebia fora de todas as caixinhas do mundo. Só no meu canto eu me encontrava. Às vezes me percebia sem entender as minhas próprias decisões. Eu as tomava e decidia que era aquilo mesmo e pronto. Talvez por isso uma vez me disseram ser autoritária. Outra vez que eu só queria as coisas do meu jeito. Quando alguém me retrucava dizendo não me entender eu respondia. Nem tente porque eu mesma não me entendo. Isto quando não calava. Noutras vezes me surpreendia sem respostas diante de atitudes minhas sobre as quais me interpelavam. Então era só o silêncio que se ouvia, já que de minha boca não saía palavra. Não raras vezes eu não sabia o que dizer.

Somente no ano seguinte é que eu entenderia que minha tentativa de implementar aquele projeto fora instrumento de Deus em minha vida. Uma ação na qual Deus se interpusera para me falar sobre mim. Eu via apenas o projeto e o meu desejo de realizá-lo. Ele via os escaninhos por onde penetraria para me levar à minha autocompreensão. Hoje eu sei. 

Ele me conduzira a uma paróquia da minha região de morada. Naquela paróquia eu me tornaria missionária pouco tempo depois. Ele usara a paróquia como instrumento da sua vontade para me fazer entender o que eu jamais entenderia por mim mesma. Por meio da ação missionária, ele me dera algumas respostas; da minha memória, outras; e da leitura bíblica associada, mais algumas.  Nessa tríade de minha autocompreensão eu aprendia a tecer fios na busca de mim mesma. Nela eu me encontrava. 

Chegáramos então a dois mil e vinte. Eu ainda remoendo aqueles processos. Tentando entender o que acontecia comigo. Tecendo os fios da minha compreensão e ligando às novas descobertas o que eu já conhecia sobre Deus na minha vida. Então aos poucos eu complementava o meu entendimento acerca de mim mesma. Se eu acreditava, porém, que a proteção de Deus para comigo começara depois de meus cuidados com a minha mãe, ele me mostrava que vinha de longa data. De toda a minha vida.

Entendi então que havia ido longe demais na minha relação com Deus para não o incluir nos meus projetos. Por uma razão muito simples. Se Deus estava na minha vida e os projetos a ela se relacionavam, então ele estaria também neles. Se ele possibilitara toda a minha compreensão de mim mesma, então ele seria o destaque. Tudo era ele. Sempre fora ele. Supus então que esse era o seu propósito para comigo. Ser incluído. Ser afirmado. Ser testemunhado. Para isso, eu precisava conhecer. Então ele me mostrava o que era necessário que eu conhecesse. A mim mesma na minha relação com ele. Ele na sua atuação junto a mim. Era o que eu compreendia naquele momento.

Com essa compreensão, embarquei na travessia de dois mil e vinte, mas ensimesmada na busca de novas formas de fazer emergir os projetos sociais. Eles continuavam no páreo. Mas já não eram os mesmos. Eu não era a mesma. Meus pensamentos não eram os mesmos. Havia um elemento novo a se impor naturalmente às minhas ações. Deus. A rodopiar comigo no meio da casa. A me dizer insistentemente que eu não saberia mais viver sem ele. Se antes eu não tinha consciência dele, agora não o poderia mais negar. 

Ele era a minha afirmação maior. Também o meu desespero mais tranquilo. A minha inquietude mais sublime. A minha nova respiração ofegante. A minha mais recente falta de fôlego. Eu jamais imaginara que tomar consciência de Deus em minha vida me causasse um rebuliço tão grande. Uma inquietação tão tranquila. Mas era com ele que eu aprenderia a conviver cada vez mais. Com o rebuliço de Deus. Com fé em Deus para todo o sempre da minha vida. Assim seja.


DEUS É EXPERIÊNCIA CONSTRUÍDA

Naquele ano, deparamo-nos com uma pandemia a nos causar muitos transtornos e perdas. A limitar nossas ações. Também a nos impor novos aprendizados. A nos ensinar novos modos de agir. A nos abrir novos caminhos. Mas principalmente, no meu caso havia também Deus como agente novo a se integrar aos projetos sociais. 

Então não me faltavam razões para alterar o formato original das ações. A dificuldade maior era encontrar um novo formato. Mas uma coisa eu já sabia. O que eu produzira já não servia mais. 

Então desativei o blog fazendo-valer-o-nosso-voto pensado para comunicar o projeto de mesmo nome. Também o site smf-projetos-sociais criado como plataforma de abrigo dos projetos sociais que seriam implementados. Já não atendiam às novas exigências daquele momento. Nem em termos de estrutura nem de finalidade. O escopo de intenções já não cabia naquelas definições. Nem as definições eram as mesmas. O jeito seria trilhar o caminho das atualizações. Assim foi.

Encontrar novo formato para as ações definidas não me parecia tarefa tão fácil. Dois mil e vinte passavam em meio a tribulações, medos e queixumes. Também resignações aflitivas. Tudo era insegurança naquele momento pandêmico. Vivíamos um ano bem conturbado. Um cenário político por demais caótico. Uma efervescência midiática em torno de cenas mórbidas de razões tão temidas. 

A morte parecia dominar. Parecia estar à nossa espreita. A própria vida parecia fora de lugar. Já não havia acomodação de ponto certo. Um lugar onde se pudesse ancorar o pensamento. Aterrissar em terra firme. Não em meio àqueles turbilhões de imagens e sensações tão aflitivas. 

Assim eu perambulava entre uma ideia e outra sem que nenhuma se afirmasse. A questão metodológica era o meu maior xis. Não havia lugar para a reflexão que não fosse repleto daqueles turbilhões. Difícil aterrissar num lugar fora daquelas paragens para um pensar aprumado. Assim era.

Entretanto, apesar daquelas circunstâncias, aos poucos novas ideias se afirmavam. Comecei a observar a possibilidade de publicar os projetos em seus formatos técnicos. Compartilhar cada projeto no seu todo diretamente com o público por meio da internet. Mais do que apenas convidar interessados e interessadas para participarem da implementação. Com a publicação, poderia contribuir com pessoas indistintas na elaboração de projetos similares ou de outras naturezas. Ou na implementação das ações como de mentoria própria. No seu todo ou em parte. Então seria esse o meu novo caminho a seguir. O caminho da publicação dos projetos nos meios digitais.

Mas à medida que eu afirmava esse caminho, novas perguntas me sondavam. Novos desejos me mobilizavam e me mostravam que já não eram apenas os projetos sociais em foco. Mas um conjunto de ações a eles associadas. Ações vinculadas à minha vida profissional, acadêmica, comunitária e até pessoal. A minha vida em seu quase todo. Como Deus se interpusera em meio às ações originalmente definidas, ele carreara outras antes nem pensadas. Afinal, ele estivera e permanecia em todas as minhas ações.

Assim, o próprio movimento de atualizar os projetos numa nova perspectiva me levava a enxergar atividades guardadas nos poços profundos do meu esquecimento. Foi assim que ao descer poço a poço resgatei as histórias de cuidados com a minha mãe; as histórias de cães e gatos de minha convivência; a minha vida acadêmica e comunitária; as minhas histórias de vida; enfim, as minhas histórias de fé em Deus permeando toda as demais histórias. Inclusive, projetos experimentados nos últimos anos, como o Vitrine da Necessidade (2018) e o Vou com Fé (2020).

Então eu tinha muito o que refletir e aprimorar a escrita para os caminhos da publicação. Eu me percebia então ainda mergulhada em meio à minha vida pregressa. Aos meus acontecimentos vividos. Não de forma saudosista. Não buscando autocorreções. Mas como um impulso para novas decisões. 

Mais uma vez então eu me via diante daquelas duas perguntas iniciais que me trariam pelo menos uma resposta. O que eu tinha e o que eu poderia fazer com o que eu tinha? Eu só tinha o meu passado. As minhas experiências construídas. Experiências em Deus, o qual se mostrara integrado à minha vida e que ele próprio era uma experiência construída. Então eu tinha muito. A questão era o que fazer com aquele muito.

Em busca dessa resposta, eu vivia entre o reviver um acontecimento e outro de minha vida. Nesse entre, questões novas se interpunham. Com a força de uma inquietação em dose tripla. Uma, como incluir num só título o conjunto de ações que eu gostaria de publicar? Como encontrar um nome que numa só palavra alcançasse o todo de meus intentos? Um nome que substituísse o trio SMF Projetos Sociais numa plataforma de comunicação digital? Outra, como falar de minha experiência em Deus em meio a tudo isso? Como dá forma a uma vivência tão pessoal?  

E mais, como falar de tudo isso sem falar de mim? Essa era a questão que mais me incomodava. Eu sentia certa resistência a me incluir diretamente nas ações pensadas. Inclusive, fora essa resistência que me levara a pensar a SMF Projetos Sociais anos atrás. Procurava assegurar a impessoalidade. Mas no momento, eu não via como separar a minha pessoa das minhas histórias. Então pedi a Deus que me trouxesse respostas a essas questões.

Eu não sabia. Mas Deus já providenciava tudo. Eu é que não via. A minha cegueira em seus caminhos continuava me dominando. Então veio o relaxamento do isolamento social imposto pela pandemia que naquele momento se abrandava. Aquele ano já se aproximava do seu final. Fui ter com o padre da paróquia onde eu permanecia como missionária. Resolvera lhe falar da minha intenção de deixar a ação missionária. 

Acreditava que já obtivera as respostas necessárias às minhas inquietações; por isso já não havia razão para aquela missão. Então eu lhe falaria das minhas descobertas com a objetividade que eu não encontrava nem nos meus pensamentos. Era coisa demais para reunir num relato de poucas linhas. Combinei comigo mesma que apenas lhe agradeceria pelas portas que me abrira na paróquia e por aquele meu tempo de missão na comunidade.

Mas não consegui lhe comunicar essa intenção. Embora lhe tenha falado. Muito. O que nem sei dizer. O que nem lembro. Só sei que as circunstâncias daquele momento não me foram nada agradáveis. Tudo o que consegui foi um papelão desastroso. Eu no centro daquela sala sentada numa cadeira como no meio de uma ilha. A uma distância considerável da mesa onde estava o padre. Distância pandêmica. Eu falando sem parar. Ele parecendo nada me ouvir. Ou pelo menos nada entender. A minha máscara caindo. Máscara pandêmica. Caindo também sem parar. Logo aquela, que eu julgara tão firme. Reprovada no teste do fica firme aí enquanto eu falo. Não ficou. 

No final das contas, o padre não havia entendido era nada. Então saí dali desolada com tamanho vexame. Pense num vexame! Tão vexaminoso que dali até a minha casa eu só queria uma mesa para entrar debaixo. Quando adentrei a minha casa, era a mesa que eu continuava buscando. Tamanha a vergonha daquele papelão. Eu não conseguia me encontrar naquele mico gigante. 

Então eu só conseguia exclamar repetidamente. As mãos encobrindo o rosto. Meus Deus, o que foi aquilo? Que doideragem foi aquela? Diante da palavra doideragemum alerta ecoou dentro de mim. Inicialmente, acreditei que seria a resposta de Deus quanto ao nome que eu buscava. Mas logo depois, constataria que não. 

Diferentemente das vezes anteriores, a aflição não passara. A suposta resposta não me esvaziara o peito inflamado. Dias corriam e eu continuava buscando uma mesa para entrar debaixo. 

Entendi então que doideragem vinha mesmo era das minhas doideiras.  Das minhas próprias aflições. Conferi meus pinos e vi que estavam todos nos seus devidos lugares. Então lembrei que realmente eu me percebia muitas vezes repetindo a palavra doideira. 

Afinal, era em meio delas que eu vivia. De um lado, as multitarefas do fazer doméstico. De outro, os meus excessos em relação aos projetos em construção. Diante de minha intenção de tratar de tantos assuntos num único processo. Tornara-se comum eu abismada diante de minhas próprias doideiras. De meus pensamentos sempre a mil tentando encontrar respostas. E ainda, frente àquele período pandêmico não raras vezes eu me via na mesma repetição. Diante dos meus novos comportamentos. Dos novos aprendizados no quadradinho da minha casa. 

Era o que eu via naquilo tudo. Uma grande doideira. Inclusive, diante da minha imaginação flutuando entre famílias confinadas tentando aprender a conviver com os seus nos seus entremuros e até em quadrados minúsculos. Tentando se equilibrar nos desmoronamentos pandêmicos. O mundo lá fora tentando se manter em suas estruturas corroídas. Tentando se reencontrar em novos patamares. Ou seria nos mesmos?

 Então, de uma forma ou de outra, Deus me fizera enxergar o que estava sob os meus olhos e eu não via. Entendia então que naqueles dois mil e vinte eu realmente não conseguia articular lé com cré. Era o ano das minhas interrogações sem respostas. Perguntas e mais perguntas. O ano em que eu não passava de uma exclamação. Meu Deus, o que que é isso?!... O ano do meu espanto maior. Tão maior que me fazia aguçar bastante os sentidos para ver se conseguiria entender o que acontecia. 

Mas não alcançava uma compreensão possível. Para mim parecia tudo fora de lugar. Uma grande doideira mesmo. Tanto que frente à efervescência imagética daqueles momentos eu apenas me espantava diante de Deus. Meu Deus, que doideira! Mas sem pensar o nome doideragem. Até aquele dia do meu vexame maior.

Em tais circunstâncias, então, eu obtinha a resposta para uma de minhas questões quanto ao todo de meus intentos. Eu encontrava o nome da plataforma que abrigaria todas as minhas histórias. As findadas, as em construção e as que estariam por vir. Surgia então o nome A Doideragem como nome do blog a se afirmar como plataforma de abrigo dos projetos e demais experiências minhas. Uma plataforma de assuntos os mais variados então. Todos associados a vivências minhas. 

No entanto, faltava ainda decidir quanto à inclusão de Deus e da minha pessoa nas novas definições. Esse fato me levaria a refletir sobremaneira sobre esses dois pontos na tentativa de encontrar alguma resposta.

Então naquele dia eu me pus a pensar. Em meio às minhas reflexões um entendimento parecia se construir. Eu só poderia falar com propriedade daquilo que eu vivenciara. Apenas a minha experiência é que me daria o respaldo necessário à construção da minha verdade. A verdade que coincidiria com os acontecimentos vividos. Com as minhas vivências. Dessa verdade então somente eu poderia dar conta. Ainda assim, no limite da minha compreensão humana. No limite da minha memória. Fora isso, só Deus que de nossa verdade sabe mais do que nós.

Essa reflexão perdurou por todo aquele dia sem que eu chegasse a um resultado conclusivo. Eram apenas ideias que iam e vinham sem uma aterrissagem segura. À noite, embalada no meu sono santo, tive uma sensação de um quase acordar. Ou de um acordar total. Não sei. Só sei que dei uma girada no corpo sob o lençol como se fosse levantar. Mas em vez disso apenas ergui a cabeça e olhei para o lado. Lá estava uma placa branca suspensa no ar como se nada a apoiasse. Nela havia um letreiro preto onde se lia em letras garrafais. “Deus é experiência construída”. 

Olhando aquela placa eu repetia de mim para mim mesma. “Deus é experiência construída”. Então me veio um pensamento do tipo “Oh, meu Deus, agora vou ter que ficar acordada porque se dormir ao acordar de manhã não lembrarei mais.” Era o meu receio, porque era o esquecimento o que acontecia com os meus sonhos. Mas naquele caso foi diferente. Ao acordar, aquela placa com seu letreiro permanecia colada na minha memória. Tudo tão claro quanto o sol do verão teresinense ao pino do meio-dia.

Ao refletir sobre aquela frase, creio ter entendido a mensagem de Deus nosso Senhor. Vi nela as respostas que faltavam sobre as minhas questões. Era o complemento às minhas reflexões do dia anterior quanto às minhas experiências construídas. Ao refletir sobre elas, eu não incluíra Deus. Não estabelecera a minha relação com ele. Apesar da consciência que eu tomara acerca dessa relação. Inclusive por seu intermédio. Então ele próprio viera me alertar. Dizer que ele também é uma experiência construída. 

Então entendi que essa experiência está em nós. Quando inserimos Deus em nossa vida. Assim como eu o fizera. Entendi, pois, que eu construíra uma experiência em Deus. Então eu não mais poderia falar de minhas experiências de vida sem falar dele.  Sem o colocar na mesma relação. Afinal, ele estivera em todos os instantes de minha vida. Como eu disse noutro momento, eu havia ido longe demais na minha relação com Deus para não o incluir nos meus projetos. Ele já era parte da minha vida. Intrínseco. Hoje eu sei.

Com essa compreensão, cheguei a dois mil e vinte e um com aquelas minhas questões resolvidas. Entendi que eu teria que falar de Deus como fundamento das minhas ações. Para isso, eu teria que falar de mim para poder afirmar as minhas experiências construídas junto a ele. Afinal, somente no campo da minha experiência é que eu poderia afirmá-lo com propriedade. Afirmar o vivido. O que ele me permitira conhecer a seu respeito na concretude do meu dia a dia.

Sem dúvida quanto a isso, eu precisava então encontrar um eixo que me permitisse estruturar a diversidade de conteúdo para as postagens no blog. Seria encontrar um início a partir do qual eu vislumbrasse a continuidade das postagens cada uma num determinado caminho. Mas estava difícil esse início. 

Eu trafegava entre uma escrita e outra sem uma direção possível. Tudo estava muito solto. Então recorri a Deus. Aliás, eu vivia recorrendo a Deus. Deus vivia me socorrendo. Então, mais uma manhã. Eu e minha máquina. Escrevendo. De repente, este texto começou a ganhar forma. Tudo fluía tão rápido e naturalmente que logo entendi. Eu havia encontrado o eixo que procurava. Era isso mesmo. Assim mesmo. Com fé em Deus!


CONCLUINDO: ERA O MEU PASSADO...

Com essa narrativa eu começo a história de A Doideragem. Um blog para tratar de temas variados associados a distintas áreas da minha vida. Como dito, todos vinculados a vivências minhas. Mas extensivos à vida social. Quando pensei em começar, tratava-se apenas de projetos sociais. Ainda assim, era coisa demais. Tão demais que talvez eu pudesse não dá conta. 

Então eu acreditei que com fé em Deus eu conseguiria. Passei a afirmar que seria na fé em nosso Senhor que eu conseguiria. Mas não tinha consciência dessa fé. Eu não sabia como seria. Creio que nem ao menos sabia do que falava. Mas agora eu lembro.

Quando em dois mil e dezoito eu precisei reformular a metodologia de um dos projetos, pedi a Deus que me mostrasse um caminho. Eu realmente estava sem saber como fazer. Esse era o propósito de minha leitura bíblica daquela noite. Era hábito meu em iguais circunstâncias abrir a Bíblia a ermo em busca de respostas. A mensagem foi clara: que eu olhasse os meus antepassados que eles me diriam como fazer. 

Mas eu estava diante de um novo problema. Como saber dos meus antepassados se eu havia conhecido apenas os meus avós maternos? Ainda assim, por muito pouco tempo? Então eu acreditava estar no mesmo ponto zero de antes.

 O tempo passou então e com ele o meu esquecimento daquele momento. Até que numa certa manhã eu me senti insistentemente voltada ao meu passado. Recordações concentravam meus pensamentos sem que eu conseguisse delas me libertar. Por mais que eu tentasse. 

Então aborrecida exclamei: oh, meu Deus, por que hoje estou só pensando no meu passado?! Ao pronunciar a palavra “passado”, exclamei mais alto ainda: meu Deus, é o meu passado! É o meu passado então! 

No mesmo instante, vi-me carregada de vivências minhas a me dizerem que eu encontrara a respostas para as minhas perguntas. Eu acabava de entender o significado de "seus antepassados" de que se referira o texto bíblico. Não era exatamente os meus antepassados, mas o meu passado. 

Mas então eu estava diante de nova questão: como incluir o meu passado em meus projetos? Como falar da minha história pessoal em projetos que seriam públicos? Eu não sabia.

Então Deus se interpôs à minha ignorância e me trouxe uma compreensão possível. Pouco a pouco.  Até eu chegar neste formato atual com a criação do blog. Essa plataforma com vários assuntos. Mas todos inter-relacionados. 

Caso você queira conhecer os assuntos de que trata este blog, siga os seus caminhos. O conteúdo de cada caminho traz um pouco de minha experiência em Deus, que segue comigo em todos os caminhos. Siga conosco você também! Até onde ele nos permitir. Com fé em Deus!


Você terminou de conhecer o conteúdo inicial do blog A Doideragem.

Espero que tenha gostado e acompanhe os conteúdos seguintes.

 

Conheça um dos caminhos do blog

 Atos de Fé em Deus

Em cada caminho, uma série de conteúdo para compartilhar com você nesta caminhada que se inicia. 

A você, os meus agradecimentos.

Fique com Deus!

 Sônia Ferreira

Teresina, 01 de abril de 2021. 


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