Quando nessa mãe envelhece é inevitável a necessidade de cuidados. Quando
perde capacidades, mais ainda. Muito bom quando a família cuida. Neste conteúdo relato como nos organizamos para cuidar. |
MINHA MÃE ENVELHECEU E PERDEU CAPACIDADES
COM AS DEMANDAS DE
CUIDADOS O APOIO DA FAMÍLIA
INTRODUÇÃO
Neste
conteúdo descrevo o avanço do envelhecimento de minha mãe. Também a necessidade
de ajuda da família em decorrência do aumento das demandas de cuidados. Relato
as circunstâncias que a levaram a se restringir ao ambiente de casa. Também a
se refugiar nas leituras bíblicas e em programas religiosos de televisão. Refiro-me
inclusive a problema familiar que a levou à perda da alegria e à nossa
tentativa de impedir algum transtorno depressivo. Uma tentativa vã.
ENVELHECIMENTO E PERDA DE CAPACIDADES: QUANDO O CORPO MOSTRA SEUS LIMITES E EXIGE CUIDADOS
Eu
estava com cinquenta e um anos quando assumi os cuidados com a minha mãe. Cuidados
presenciais de forma mais intensiva. Diuturnamente. Ela ainda era bastante saudável.
Apesar de hipertensa. Mas seus oitenta e oito anos já revelavam o peso do seu
envelhecimento. Já lhe impunham muitos limites. Já eram visíveis as
dificuldades dela diante de ações as mais triviais do dia a dia. Tomar banho e
se vestir sozinha já não fazia. Seu andar titubeante pedia cada vez mais minha
atenção. Mesmo com o suporte do andador. Aceito a duras penas. Com bastante
resistência.
Morávamos em nossa casa eu, ela e um
neto seu. Ele dependente químico pelo uso de drogas. Nossa casa era então um
ambiente em suspensão. Vez ou outra conflitos associados à dependência dele. Vez
ou outra ela recebia visita de filhos e filhas. Às vezes de netos e netas.
Amigos e amigas, raramente. Com certa frequência, a visita de legionários e legionárias
da paróquia local em seus encontros missionários.
Deixara de frequentar a missa há algum
tempo. Já não se sentia segura ao ir sozinha. Faltava-lhe companhia para os
seus passos cada vez mais lentos e incertos. Nas suas últimas idas à missa se
incomodava por não mais acompanhar os passos das companheiras no percurso. O
ficar para trás era frequente. Constrangimento para ela. Então decidira não
mais ir.
Desde então fizera da Rede Vida de
Televisão o canal de expressão da sua fé. O seu lugar das missas e terços.
Religiosamente. Todos os dias. O terço do Divino Pai Eterno. As missas em seus
devidos horários. Naqueles momentos era comum vê-la de pé em frente à
televisão. No meio da sala. Mãos postas para o Céu. Assim entoava seus louvores.
À própria Rede Vida devotava atributos sagrados.
Continuava perdendo suas capacidades. Deixara
de cuidar das plantas. Seu grande hobby. Já não conseguia se
agachar. Sempre que ia ao banheiro nem
sempre chegava a tempo. Ficava constrangida e aborrecida. Resolvi a situação
com um vaso portátil sempre ao seu lado. O conhecido pinico próximo às cadeiras
onde ela ficava em determinados horários por mais tempo. A limitação motora era
para ela um grande problema. A aceitação mais difícil.
Ainda bem que ela tinha certo apreço por leituras. Até conservava um acervo de letras sobre plantas medicinais, frutas e legumes. Com ele aprimorava o seu saber sobre os nutrientes e aprendia mais sobre sucos e chás. Uma vez ou outra chegava até mim animada para me falar de alguma de suas descobertas.
Os livros de minha mãe. Leituras bíblicas e nutricionais. |
Mas nada como o acervo religioso para concentrar as suas leituras. Os cânticos das missas, as orações, os terços e as rezas, a Bíblia e tudo o que se referisse aos cenários do Céu. Então lhe restavam as leituras religiosas. Além da Rede Vida. Ao declinar do sol lá estava ela em nossa área jardinal. Fim de tarde. Todos os dias. Em suas leituras bíblicas. Motivo de admiração de muitos por enxergar letras tão pequenas naquela idade. Sem óculos.
AS DEMANDAS DE CUIDADOS E A FAMÍLIA NO APOIO
As
demandas de cuidados só aumentavam. Novas tarefas. Novas exigências de economia
de tempo. A necessidade de ajuda logo foi inevitável. Eu não tinha empregada
doméstica. Tudo era eu e eu mesma. Contratar uma seria retomar um caminho já
percorrido. O mesmo que enfrentar a barreira que já se revelara intransponível
para mim. Devido aos conflitos insustentáveis que geravam. Afinal, dispor de um
usuário de drogas em casa fragilizava as relações. Tornava o ambiente meio
campo minado. O trafegar meio movediço. Em tal meio, somente nós de casa
conseguíamos nos equilibrar entre um cuidado e outro. Em tal meio, forasteiros e
forasteiras não eram de esquentar assento.
Buscar
ajuda entre os demais irmãos também não era algo muito animador. Apesar de
sermos nove. Mas cinco entre idosos e idosas com suas próprias demandas
familiares. Duas incapazes por problemas de saúde já sob cuidados de filhos e
filhas. Duas morando fora do estado. Então sobrava eu própria. A única com
condições efetivas para cuidar. Eu já morava com minha mãe. Era a filha que
havia ficado. Não apenas para titia como se poderia pensar. Mas para cuidar. Efetivamente.
E cuidei.
Titia
ou não o certo mesmo foi que reafirmei a minha responsabilidade. E para valer! Por
Deus naquele momento eu estava bem financeiramente. Também havia a renda da
minha mãe. Então foi possível prescindir da ajuda financeira dos demais irmãos.
Pelo menos naquele momento inicial de cuidados. Mas não foi possível prescindir
da ajuda da família nas ações de cuidados. Combinei então com uma de minhas
irmãs arrimo de sua família. Ela sairia do emprego. Eu a compensaria com o
salário correspondente. Melhor para a nossa mãe ser cuidada por familiares do
que por pessoas estranhas. Alheias ao seu convívio. Assim foi.
Minha
irmã reunia melhores condições de conviver conosco. Afinal, o conviver em nossa
casa era um desafio e tanto! Mas não para qualquer um ou uma. Mas o seria para
ela que o aceitara. Ela comparecia todas as manhãs. Exceto aos domingos e
feriados. Cumpria seis horas diárias. Eu o restante. Nós nos dividíamos entre
as tarefas de casa e as ações de cuidados com a nossa mãe.
A
situação parecia sob controle. Fazia
pouco tempo que minha irmã começara a me ajudar. Aos poucos íamos nos ajustando
às necessidades de nossa mãe. Fazendo e aprendendo. Em nós a compreensão de que
as limitações dela eram coisas próprias da idade. Afinal, ela havia perdido muitas
capacidades. Já não andava sem o suporte da bengala ou do andador. Também a
dificuldade nas ações simples do dia a dia como o se levantar e o se vestir.
Ações essas que já não fazia sem ajuda. Como eu já disse. Aceitar a perda da
autonomia no andar não lhe fora fácil. Tanto que resistira à bengala o quanto
pode. Mas tudo isso nos parecia aceito por ela. Então o que tínhamos a fazer
era nos ajustar às suas necessidades para melhor poder lhe atender.
Mas
logo percebemos nossa mãe meio silenciosa. Contrariando o seu jeito
comunicativo de ser. O seu humor já não
era o mesmo. Era visível o seu retraimento. Já não se interessava pela
conversação. Estava quieta. Calada. Olhar distante. Mas sabíamos que não apenas
pelo desconforto com as limitações do seu corpo. Mas algo muito mais profundo fragilizava
suas emoções. Feria sua alma. A denúncia
que eu registrara a seu pedido a um órgão de proteção à pessoa idosa. A
denúncia contra o neto. Os problemas com ele motivados pelo uso da droga eram
cada vez mais insustentáveis. O órgão foi até ele. Comunicou-lhe a denúncia e
lhe advertiu acerca das medidas cabíveis de proteção. Ele então se voltou para minha
mãe na posição de vítima. Cobrou-lhe explicações. Naquele momento na sala onde
estavam era apenas a avó e o neto por ele mesmo. Ela com seus sentimentos. Toda
afeição. Ele, o neto de seus cuidados. O
número um desprovido de quaisquer potências químicas.
Aquela situação causou em minha mãe um remorso. Uma
avalanche na alma. Desde então seu semblante parecia não encontrar nada fora do
chão. De tão caído estava. Ela não conseguia conter as lágrimas ao se referir
ao neto. Chorava mesmo. Penalizada. Suas leituras bíblicas de todas as
tardes já não eram as mesmas. Já não lia. Apenas folheava a Bíblia. Sem se
fixar à página alguma. Seu olhar se tornara distante. Sem foco. Numa expressão
desolada. Então a levamos a um
centro de convivência para idosos. Atividades físicas poderiam lhe fazer bem.
Relações com outras pessoas também. Assim supúnhamos.
Mas
estávamos enganadas. Ela não passou das primeiras sessões. Percebemos que as alterações
em seu comportamento avançavam. Não por conta das atividades. Mas por razões
que não mais entendíamos. Suas ações se tornavam cada vez mais estranhas. Um
mal humor que beirava à agressividade. Ela contrariava então cada vez mais o
seu jeito natural de ser. Tolerante e compassivo. Já não era somente a tristeza
ou o remorso em relação ao neto. Tampouco o desconforto com suas limitações. Mas
não demorou muito e soubemos que talvez fosse o Alzheimer se instalando nela.
Mas só depois é que saberíamos que realmente era o Alzheimer que encontrara
abrigo na vida dela.
CONCLUINDO...
Nos conteúdos deste caminho, continuarei relatando esse processo que se desencadeava em
minha mãe e culminaria com o Alzheimer diagnosticado. Depois de alterações progressivas
em seu comportamento, ela evoluiu para um surto a partir do qual me tornei sua
curadora. Além da cuidadora que era.
A você, os meus agradecimentos
Deus
esteja com você!
Teresina,
23 de abril de 2021.
Você terminou de conhecer mais um conteúdo do Caminho Cuidados com Amor.
Espero que tenha gostado e acompanhe os conteúdos da
sequência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário