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O QUE É O BEM COMUM?
UMA COMPREENSÃO A PARTIR DOS CONCEITOS DE BEM PRIVADO, BEM PÚBLICO E DIREITO COLETIVO
INTRODUÇÃO
O Bem Comum é um conceito que se constrói no limiar de dois outros
conceitos: o de bem privado e o de bem público. Na confluência desses dois
conceitos, vincula-se um terceiro: o de direito coletivo ou da coletividade. É nessa confluência
que surgem as ideias constitutivas do conceito de Bem Comum a partir das quais podemos melhor compreendê-lo e afirmá-lo. Na construção dessa
compreensão, vejamos inicialmente o que é bem privado e bem público para em seguida comentar sobre Bem Comum e direito da coletividade. No final, um exemplo que retrata uma forma de corrupção em serviços públicos a impedir a realização do bem comum.
BENS PRIVADOS E BENS PÚBLICOS
O conceito de bem privado e o de bem público estão geralmente na mesma
relação. Somente há o bem público porque há o bem privado e o desejo particular
de posses que o assegure. E do bem privado o bem público não pode prescindir sob pena
de comprometer sua própria existência. No entanto, dele precisa se distinguir
para com ele não se confundir; ou seja, é preciso se reconhecer o bem público
para que ele não seja tratado nem tomado como bem privado.
O bem privado pode ser definido como o bem reservado a uma determinada
pessoa ou grupo por seus próprios esforços, herança ou doação; o bem do qual a
pessoa pode usufruir conforme lhe aprouver porque nele não há a participação
nem o direito de outros; o bem ao qual é assegurada uma posse individual ou
grupal e por isso assegura ao proprietário o direito de propriedade; ou ainda: o bem cuja posse assegura ao proprietário a
ele se referir de forma possessiva sob as insígnias “é meu” ou “é minha”; ou
ainda “é nosso” caso a propriedade seja de um determinado grupo.
A partir dessas várias maneiras de se definir o bem privado, observemos a
evidência de pelo menos três ideias na construção do seu conceito: a ideia de
propriedade, a de pertencimento e a de direito. Assim, podemos nos referir ao bem privado como algo
que pertence a alguém ou a algum grupo intitulado proprietário que tem sobre
ele o direito ao usufruto; um direito de propriedade decorrente de seus
próprios esforços concernentes a pessoas físicas e jurídicas. Esse direito
confere ao proprietário uma obrigação moral de o reivindicar sempre que lhe
aprouver; mas não da forma como quiser.
E por que não da forma como quiser? Porque acima do direito da pessoa
individual, seja física ou jurídica, está o direito coletivo ou direito da coletividade. Esse direito é
reivindicado originalmente pelo Estado: o representante da coletividade; o ente abstrato de poder superior que nos submete a
todos e a todas porque ele tem soberania sobre o seu território e todas as
pessoas que habitam esse território sujeitam-se às suas leis.
Pelas leis e em nome do direito coletivo, é o Estado quem define como
podemos dispor dos nossos bens privados. Isto pela seguinte razão: a cada
pessoa individualmente é cobrado o dever de contribuir com o conjunto da
sociedade à qual pertence; ou seja, cada pessoa é chamada a contribuir com o
bem-estar de todas as demais pessoas, com o bem-estar do conjunto da população.
A isso se chama contribuir com a coletividade, com o Bem Comum.
Mas é impossível que façamos isso isolada e deliberadamente enquanto
indivíduo. Então o Estado reivindica o direito de fazer essa cobrança de forma
coercitiva por meio das leis. Assim, ele obriga todas as pessoas a
contribuírem. E uma forma de cobrar essa contribuição é por meio dos mais
variados impostos aos quais nos submetemos por meio das leis. Com os impostos, o Estado retira de
nós como pessoa individual uma parcela de nosso bem privado, muitas vezes antes
mesmo que nos utilizemos dele.
A parcela retirada dos bens privados por meio dos impostos passa a ser de
domínio do Estado sob a insígnia de “bens públicos” ou “bens de domínio
público”. O Estado administra esses bens por meio de seus governantes. Os
governos são, pois, os administradores dos bens públicos, dos bens de domínio
do Estado em seus respectivos âmbitos da federação: estados, municípios e
União. Tudo sob os preceitos das leis, uma vez que para cada ação do Estado há uma lei que a assegura legitimamente.
Para melhor compreensão, vejamos no diagrama essa relação entre os bens privados, os bens públicos e o bem comum.
Diagrama sobre bens privados em relação aos bens públicos e ao Bem Comum e estes em relação ao Estado e à sociedade por meio dos Serviços Públicos. |
Observemos no diagrama que do conjunto dos bens privados de propriedade individual da população são cobrados impostos de diferentes naturezas como contribuições compulsórias nas respectivas instâncias do Estado. Essas contribuições alimentam o erário ou tesouro do Estado, os conhecidos “cofres públicos” como às vezes o denominamos. Sob a tutela do Estado, somam com o orçamento geral com o qual o governo do momento organiza e mantém a Administração Pública e define os distintos serviços destinados à população. Tornam-se Bens Públicos destinados à coletividade; isto é, bens coletivos no Poder do Estado e administrados por sucessivos governos. Essa administração é sempre na perspectiva do Bem Comum. Se não é, deveria ser.
DOS BENS PÚBLICOS AO BEM COMUM E AO DIREITO DA COLETIVIDADE
Observemos ainda no diagrama que o Bem Comum advém do conjunto dos bens privados revestidos da sua natureza pública – os bens públicos – em prol de um novo interesse: o interesse público ou interesse da coletividade. Significa que cada pessoa que contribuiu individualmente com a constituição dos bens públicos – através dos impostos – tirou uma parte do seu “todo” particular para compor um novo todo, o Todo Coletivo.
Esse Todo é composto do conjunto dos bens públicos naturalmente constituídos como de uso comum. Por isso denominados Bem Comum, o bem que assegura à coletividade o direito aos bens públicos cuja constituição traz em si esse direito.
Por coletividade entendamos o conjunto da
população de um determinado território ou lugar em nome da qual e para a qual o
Estado responsável por esse lugar destina a sua ação por meio de seus
governantes.
Assim, quando falamos de coletividade, referimo-nos ao
ente abstrato representativo de toda a população à qual confere o direito de
uso dos bens administrados pelo Estado: os bens públicos destinados ao conjunto
da população; logo, pertencentes à coletividade, ao Bem Comum, já que de uso
comum a toda a população indistintamente.
Por isso, todos os habitantes do território sob o Poder
do Estado têm direito ao usufruto dos bens públicos desse território na mesma
medida relativamente ao grau da sua necessidade pelo simples fato de integrantes
da sociedade detentora dos bens. Podemos dizer então que o Bem Comum é o bem sobre
o qual recai o direito da coletividade como direito de uso inerente a toda a
população conforme a necessidade individual.
Significa então que o uso ou usufruto dos bens públicos pela população somente ocorre enquanto direito: o direito coletivo ou da coletividade. É um direito que é assegurado natural e indistintamente ao conjunto da população.
Em seu sentido genérico, direito é uma predisposição natural da
pessoa humana intrínseca ao seu livre arbítrio ou à sua liberdade natural. Como
cada pessoa é dotada de livre arbítrio, é também igualmente dotada de direito
ao uso de sua liberdade da mesma forma que as demais. Como cada pessoa dispõe
naturalmente de livre arbítrio e o direito de usufruir dele, não pode impedir
que as demais também o façam.
No entanto, administrados pelo Estado, os bens públicos são desprovidos de particularidades expressas no princípio do um para um, e sempre revestidos em princípios amplos e altruístas expressos na dimensão geral do um para muitos; ou seja, cada bem público é destinado ao uso ou usufruto de muitas pessoas, de toda a população conforme a necessidade de cada pessoa pela parte que lhe cabe; logo, são bens sempre destinados à coletividade, ao interesse público; por isso, ao Bem Comum.
Mas quando nos referimos a Bens Públicos e a Bem Comum,
referimo-nos a algo nem sempre de fácil compreensão para parte da população.
Isto pela seguinte razão: a falta de clareza para muitas pessoas quanto à
propriedade ou ao proprietário do bem. Embora muitas pessoas compreendam que a
população é a destinatária ou a proprietária dos bens públicos, há quem
acredite que eles não pertencem a ninguém.
No entanto, devemos sempre lembrar que se a
coletividade é representada no Todo Coletivo e esse todo é o Bem Comum, como já
dito, significa que a cada pessoa cabe apenas uma parte desse Todo na medida da sua necessidade; isto é,
cabe-lhe o direito a apenas uma parte daquilo que é de direito de todos. Assim,
o Bem Comum se efetiva então como direito ao usufruto dos bens ou riquezas do
país destinados a toda a população em observância ao seu princípio ou ideal
coletivo.
Pelo princípio do Bem Comum, o direito de uma pessoa
respeita o direito da outra na mesma medida da sua necessidade. Subjaz a essa
compreensão a ideia de que se eu tenho direito a essa parte do Todo Coletivo,
a outra pessoa indiferenciada e anônima também o tem de igual forma e não posso
desejar que tenha menos nem agir de modo a subtrair a parte que lhe cabe. Eis então o princípio pelo qual uma vez observado poderíamos alcançar a justiça social.
Na seção a seguir, vejamos um exemplo que retrata o
modo como se efetivaria o bem comum a partir de um bem público destinado à população,
mas que nem sempre chega ao seu destino devido à corrupção que se tornou usual em
serviços públicos.
QUANDO A CORRUPÇÃO INVIABILIZA A REALIZAÇÃO DO BEM COMUM
Suponhamos que um determinado órgão público receba do
Estado uma caixa de agulha com mil unidades. Pelo princípio do bem comum, cada
agulha é um bem coletivo; por isso, pertence a toda a população na medida da
necessidade de cada pessoa.
Por conseguinte, dependendo das condições pessoais de
saúde, uma pessoa pode precisar de dez ou mais agulhas para resolver o seu
problema de saúde; outra pessoa, pode necessitar de apenas uma agulha e ter
igualmente o seu problema de saúde resolvido.
E pode acontecer ainda de muitas pessoas nunca
necessitarem de usar nenhuma das agulhas porque não tiveram problemas de saúde
que as requisitassem. No entanto, na hora que necessitarem, é seu direito
dispor de uma ou mais agulhas que lhes atenda conforme a sua necessidade.
Se assim não for, podemos dizer que o seu direito foi
subtraído ou negligenciado ou pelo Estado, que não supriu aquela necessidade,
ou por alguém que desviou as agulhas de seus destinatários por algum mecanismo
de corrupção.
Isto porque, não raras vezes, o que ocasiona a falta de
produtos em órgãos públicos não decorre apenas da omissão do Estado em não
suprir aquela necessidade, mas também da sua negligência ou conivência ao não
coibir as variadas formas de corrupção nos serviços públicos. Corrupção essa
evidenciada nos desvios embutidos em todo o processo ou percurso de distribuição
dos produtos ou recursos.
Esses desvios se verificam desde a aquisição do produto
pelo Estado (pela corrupção em licitações) até a entrega do produto ao público destinatário,
entrega essa mediada pelo órgão público que o atende. No órgão, o produto já
chega às vezes desfalcado em sua totalidade.
Mesmo assim, é onde muitas vezes se observa ainda a corrupção de servidores ou servidoras públicas e públicos quando na lida direta com o produto. Neste caso, trata-se de uma corrupção que se verifica por meio da apropriação indébita, quando se toma algo que não lhe pertence para usufruir em benefício próprio ou em prol de outro de suas relações pessoais.
Diante de tal forma de corrupção, podemos dizer então que a pessoa tomou o bem público (que no exemplo citado é a agulha) como bem privado e dele fez uso indevido pela ação de desvio e por se tratar de um bem de direito da coletividade.
Em conteúdo posterior, apresentarei outros exemplos de
corrupção em serviços públicos que muitas vezes não são sequer percebidos como
corrupção de tão usuais que se tornaram. É a corrupção das pequenas coisas que
para fugir delas basta nos fazer a mesma pergunta referida à das grandes: esse
bem é meu? Eu tenho propriedade sobre ele? Se a resposta for não, deixe-o onde
está. O ideal do bem comum agradece assim como a população em suas necessidades.
Você terminou de conhecer o quarto conteúdo do caminho SMF Fé e Política.
Espero que tenha gostado e acompanhe os conteúdos deste caminho.
A você, meus agradecimentos.
Deus esteja com você!
Sônia Ferreira
Teresina, 30 de julho de 2021.
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