Este conteúdo revela como a ética dominante e os valores que a embasam influenciam a ética política em nossa sociedade. |
ÉTICA E ÉTICA POLÍTICA
CADA QUAL COM SEUS VALORES
ÉTICA E VALORES
A ética é o que mobiliza o nosso comportamento
de todos os dias. Uma conduta. Um jeito de ser. Um jeito de agir. Uma escolha.
Um caminho a seguir. Ancora-se na moldagem do comportamento humano e tem nessa
moldagem a sua finalidade e a sua razão de ser.
Moldar um comportamento significa dar a ele um
formato, um jeito próprio de ser. Como o comportamento é construído ao longo
dos anos, a ética também o é. Como essa construção começa na infância, a ética particular
de cada um e de cada uma também. Como a infância é um saco vazio ou ainda meio vazio
pronto a ser preenchido ou em preenchimento, a ética também. Significa então
que é na infância que se inicia a construção da ética particular de cada
pessoa. Logo, a ética é um “saco vazio”, sem conteúdo e sem lugar próprio.
O que confere conteúdo à ética são os nossos
valores conhecidos como valores morais: valores que definem o que é considerado
certo e aceitável ou errado e inaceitável para o conjunto da sociedade, porque
assim a sociedade os aceita como certos ou os rejeita ao considerá-los errados.
Esses valores são construídos de acordo com a
moral da época e do lugar, e transmitidos de uma geração a outra, influenciando
a todos e a todas que se inserem na sociedade; ainda que nem todos e todas os
sigam perfeitamente; ainda que nem todos e todas se ajustem ao valorado e socialmente
aceitável.
Os valores morais fazem parte dos nossos
aprendizados de vida; logo, valores apreendidos ou construídos ao longo de
nossas vivências sem que nos atentemos para essa aprendizagem ou construção. É
uma aprendizagem inserida em nossas relações interpessoais ou no conjunto das informações
que nos chegam.
Filtramos essas informações naturalmente e delas
absorvemos ou assimilamos apenas o que é significativo para nós sem nos dar
conta dessa significância e que das informações que nos chegaram algum
aprendizado ficou em nós.
Mas somente à medida que crescemos e nos adultamos
é que esses aprendizados se evidenciam em nossa vida por meio do nosso
comportamento ao qual se vinculam as mais variadas ações. Então percebemos que possuímos
tais aprendizados, embora não saibamos como os assimilamos exatamente. São
processos internos muito particulares. Mas também o que valoramos ao longo dos
anos e de certa forma o que nos define como pessoa.
São esses aprendizados que compõem a nossa
ética: o nosso comportamento moldado ao longo dos anos, principalmente dos
primeiros anos. Esse comportamento ético
somente se revela em nossas ações, quando então se evidenciam nossos
aprendizados acumulados; aprendizados esses “recheados” de valores.
Por meio de nossas ações então é que revelamos
a nossa ética particular e os valores que a fundamentam; ou seja, ao evidenciar
algum tipo de comportamento, nele revelamos os nossos valores; ou ainda, são
esses valores que nos levam a agir de determinados modos; que definem a nossa
conduta, o nosso modo particular de agir. Essa ética particular geralmente está
em conformidade com a ética dominante, com a ética socialmente aceitável; mas
também pode se contrapor a ela.
Como a ética tem a ver com o nosso comportamento e cada pessoa tem o seu e a sua construção própria, significa que ela não tem um lugar próprio. Ela vai aonde queiramos que vá. Mas por isso mesmo está em todos os lugares. Onde quer que estejamos. Inclusive na política, sobre a qual se refere a seção seguinte.
ÉTICA POLÍTICA: ENTRE AS LEIS E A ÉTICA DOMINANTE
Assim como a ética, a política também não
dispõe de conteúdo próprio. Somos nós que a dotamos dos conteúdos que a tornam
o que ela é. Conteúdos que valoramos e por isso aceitos como legítimos para a
nossa sociedade. Legitimidade essa conferida por dois imperativos básicos: um,
oriundo de nossos comportamentos e de nossas ações com eles interrelacionadas; o
outro, originado nas leis. Em quaisquer dos casos, conteúdos originados sob a
ética geral da sociedade, a ética dominante, e sob os valores que a embasam.
Logo, são os nossos valores que legitimam os
conteúdos da política, âmbito no qual eles se evidenciam e ganham mais
visibilidade; ou seja, a política é o âmbito da legitimidade dos valores mais
significativos da sociedade porque os mais aceitos ou consensuados, seja naturalmente
ou por imperativos das leis.
As leis revelam o que valoramos. Também o que
deixamos de valorar. Neste caso, sugerem imperativamente que valoremos. Revelam
o que já é significativo para nós; e o que não é, mas deve ser. Enfim, revelam o
que consideramos relevantes e inibem o que não é aceitável para a sociedade. Inibem
ou procuram inibir ou controlar comportamentos contrários.
No entanto, muitas vezes os nossos
comportamentos agem à revelia das leis com ações que as contrariam. Independentemente das leis, então, agem
naquilo que valoramos particularmente, às vezes se ajustando, às vezes
contrariando os preceitos legais. Ao se ajustar, demonstram que atuamos em
conformidade com a ética dominante sob a qual se criam as leis. Ao contrariar, revelam
que atuamos sob outros preceitos que não os da ética dominante. Tanto num caso
quanto noutro, porém, nas ações evidenciadas em nossos comportamentos estão a
nossa ética e os nossos valores. Logo, é o que levamos para a política, âmbito
no qual se evidencia a ética política.
Quando falamos de ética política, reportamo-nos
aos princípios que regem ou orientam o comportamento dos agentes públicos; ou
seja, referimo-nos à ética que orienta a ação política e a conduta desses
agentes no exercício da função pública que exercem, seja de natureza executiva
ou de legislativa. A partir de suas ações, identificamos a ética que os orienta
e os valores que os embasam e os definem.
Assim, enquanto as leis conferem a
determinados conteúdos políticos um lugar próprio definido por códigos também próprios,
normativos e coercitivos, os nossos comportamentos e as nossas ações nem sempre
se ajustam a esses códigos e ficam à deriva ao sabor da nossa ética pessoal
ancorada ou em valores dominantes ou em valores próprios e distintos.
São esses comportamentos que definem a ética
política e consequentemente revelam a ética dominante subjacente e a qualidade
da política construída sob essa ética. Se uma política pautada em valores
altruístas e desinteressados é porque a ética dominante assim o é. Então, a
ética política apenas revela esses valores nas ações de governantes,
parlamentares e agentes públicos de todos os âmbitos da ação pública.
Em se tratando da ética política brasileira, creio
não ser demais afirmar que se trata de uma ética baseada nos privilégios, nos
favorecimentos, nas barganhas, na solidariedade corporativista e na perpetuação
do monopoder, entre outras prerrogativas com as quais nos habituamos ao longo dos
anos de tão naturalizadas em nossa sociedade.
Pelo código de nossa ética política, é
considerado normal, aceitável e até desejável:
a) a
reivindicação de privilégios remunerativos pautados no merecimento e expressa
numa espécie de juízo do tipo “eu sou (deputado, senador, juiz, magistrado...)
então eu mereço”;
b) o favorecimento de parentes e amigos e
amigas com cargos em órgãos públicos por meio da indicação política, geralmente
como retribuição de favores pessoais ou acordos políticos com interesses
particulares;
c) a barganha através do tão conhecido “toma
lá dá cá” como moeda de troca a apoios em votação de pautas e a favorecimentos
na indicação de cargos públicos e concessão de obras públicas, entre outras;
d) a solidariedade corporativista pela qual detentores
e detentoras do poder se unem para a manutenção de seus privilégios,
favorecimentos e outros adendos políticos; e
e) a
perpetuação do monopoder (ou poder nas mãos de um) motivada pela não renovação
de cargos majoritários nos partidos políticos.
Essa
perpetuação se caracteriza pela manutenção de determinados grupos políticos com
poder e projeção nas mãos de uma determinada pessoa, e no não fortalecimento
das bases partidárias, levando praticamente à criação de “castas” políticas e o
que se passou a conhecer há algum tempo como “o dono ou os donos do partido”.
Apesar de
tudo isso compor a nossa ética política e se revelar como perniciosa ao
interesse público, ela não se manteria por tanto tempo na política brasileira
se não estivesse ancorada em valores tão sedimentados em nossa cultura como
ícones de status quo. Valores esses compartilhados
em nossa ética dominante disseminada em nossa sociedade de forma tão diluída
que se torna às vezes imperceptível ao nosso conhecimento ou reconhecimento,
tamanha a sua naturalização em nosso meio.
Entre esses
valores, destacam-se a apropriação do bem público como bem privado e a
internalização do “senhor” e do “escravo” embutida em nossa ética. São
manifestações consideradas normais, aceitáveis e até desejáveis pela população
num grau maior ou menor. Inclusive, esse aspecto “desejável” talvez se
constitua o lado mais pernicioso de nossa ética política, porque carreia os
indícios de continuidade; ou seja, quem não tem o que ela favorece, deseja ter
e o anseia e certamente o terá. Que me perdoem as exceções com as ressalvas
devidas.
Em conteúdo
posterior, falarei dessas duas manifestações presentes em nossa ética.
A você meus agradecimentos.
Deus esteja com você.
Sônia Ferreira
Teresina, 15 de maio de 2021.
Você terminou de ver mais um conteúdo do Caminho Achados e Trapos.
Espero que tenha gostado e acompanhe os próximos.
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