POCOTA: NOSSA AMADA E CATIVANTE PEQUINÊS
A CHEGADA DE POCOTA
Meu irmão Elói chegou à nossa casa num determinado fim de tarde depois de
mais um dia de trabalho. Era comum sua passagem por lá tanto na saída quanto na
chegada. Um hábito diário. Sempre estávamos no meio do seu caminho. Éramos a
ponte do seu percurso por onde ele sempre passava. A ponte entre a sua casa e o
seu destino. Sua casa ficava logo ali depois da nossa. Ou antes ou depois
dependendo do ponto, se de partida ou de chegada. Viesse de onde viesse ou fosse
aonde fosse, o certo é que minha mãe sempre o via chegar ou sair. Eu,
raramente, pois quase sempre ou saía antes ou chegava depois da sua passagem.
Mas naquele dia eu estava em casa quando ele chegou. Consigo
uma cachorrinha se deixava conduzir irresoluta presa a uma corrente. Explicou
que a ganhara do senhor que lhe contratara os seus serviços de pedreiro. Era
Pocota, uma pequinês na flor da idade. Linda de se vê! Daquelas que nos
encantam os olhos ao primeiro olhar. De tão linda no seu jeito pequenez de ser.
No seu pelo ruivo alaranjado. Imaginei então a festa que fariam Lísia e Kaliu
ao se depararem com ela. Afinal, parece ser da natureza dos cachorrinhos
encantarem as crianças. Lísia e Kaliu eram a filha e o filho de meu irmão que
ainda não chegavam aos sete anos de idade. Então a festa com Pocota estaria
garantida.
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Pocota: nossa linda e amada companheira de muitos anos |
Então Elói seguiu seu rumo até sua casa logo ali depois da nossa. Pocota muito
serelepe no seu caminhar a um ou dois passos atrás dos dele. Parecia contente. Como
eu previra, a alegria na casa não foi pouca. Pocota encontrara abrigo no
coração de seus novos donos. Então apenas passamos a acompanhar à distância
aquele movimento das crianças com a nova inquilina. Eu e minha mãe em visitas
fugazes à casa delas.
Não demorou muito e Pocota teve sua primeira prole. Não faltou quem não
quisesse um de seus filhotes. De tão lindos e fofos que eram. Mas Lísia e Kaliu
cuidaram de preservar mais um na família. Cismaram que Mimoso não se desligaria
de sua mãe. Afinal era lindo demais para ser levado. Fofo demais. Tudo demais.
Até nome já lhe tinham dado. Então não houve outro jeito a Kécia senão aceitar
Mimoso como o mais novo inquilino da casa. Kécia era a mãe de Lísia e Kaliu.
Mas em se tratando de Pocota e Mimoso, sua vontade não contava. Lísia e Kaliu
sempre a convenciam. Afinal, diante de cachorrinhos filhotes tão fofos qual a
mãe que também não se derrete em mimos ao ver suas crianças todas derretidas
por eles?
COM A FALTA DE SEGURANÇA, MIMOSO MUDA DE CASA
Certo dia, Mimoso se sentiu ofendido por Elói num de seus excessos de mal
humor motivados pelo uso do álcool. Desde então ele se afastara de Elói e
rapidamente se mudou para a nossa casa. Afinal, o caminho já lhe era conhecido.
Bastava atravessar o quintal. Sem contar que ele já era do nosso coração. Então
foi muito fácil acolhê-lo também em nossa casa. Lísia e Kaliu até que tentaram
levá-lo de volta. Mas ele sempre retornava. Ele havia encontrado o seu lugar de
morada. Um lugar mais acolhedor que lhe dava mais segurança. Disso ele sabia.
Então não demorou muito para Pocota também fazer da nossa casa a sua. No início, parece que a intenção dela era
levar Mimoso de volta. Chegava de mansinho e se envolvia nas brincadeiras com
ele. Na hora de voltar, ela sempre retornava sozinha. Por mais que Lísia ou
Kaliu insistisse, somente ela aceitava acompanhar os seus donos. Mimoso corria
para dentro de casa e logo encontrava um canto para se deitar. Sinal claro de
que não retornaria. Mas com o passar dos dias, era cada vez mais evidente a
preferência de Pocota. Ficar com o seu
filhote. Então se instalou de vez. A antiga casa se tornou apenas o lugar das idas
e vindas. Também das visitas diárias. Todos os dias passavam por lá para um alô
aos seus antigos donos.
Com a mudança para nossa casa, Pocota e Mimoso revelaram que a segurança
é fundamental para que se mantenham cães em casa. Ele e ela não se sentiam
seguros, apesar do afeto de todos e todas de casa. Mas havia o alcoolismo de
meu irmão Elói que o transformava numa pessoa outra. E no seu transformar-se, sua
paciência e sentimentos de afeto desapareciam. Em seu lugar, o mal humor e a
agressividade o dominavam. Em tais condições, Pocota e Mimoso eram os primeiros
e os mais afetados. Então não lhes faltaram motivos para buscarem outro lugar
para morar.
Essa percepção se tornou muito evidente por todo o tempo de Pocota em
nossa casa. Como eu disse, era ponto de passagem de meu irmão Elói. Todos os
dias. Ainda que fosse apenas para um cafezinho. Minha mãe já lhe deixava a
garrafa preparada. Ele chegava e passava direto para ela. Em suas chegadas, Pocota
nunca deixou de lhe querer fazer festa. Mesmo numa recepção tímida.
Mas não antes de verificar o seu estado de graça. Ou de desgraça. Então
antes de se aproximar dele, ela parava e olhava insistentemente a sua face, a
sua boca, o seu jeito que ela sabia ver. Nessa hora, seu rabinho tinha um jeito
particular de se mover. Lento e calmamente de um lado ao outro. A evidência de seu
estado de alerta.
Então eu a observava na sua vistoria. Quando via o seu rabinho se curvar
entre as pernas, o seu corpinho se acanhar rumo à mesa para entrar debaixo
então eu sabia. Ele havia tocado no álcool. Quando esse tocar nem perceptível
para mim era, Pocota já o sabia. Aprendera no seu curto tempo de convivência
com ele a ler a expressão da sua face, o movimentar da sua boca, o seu
semblante talvez como o todo.
Afinal, esse aprendizado era o que lhe assegurava a sua proteção, a sua
defesa, a sua conservação na casa onde vivera. Apesar de um ambiente doméstico
e de estimação, ela preservava o instinto do animal que precisa conhecer o
terreno onde pisa para poder se manter vivo. Agora em nossa casa, ela demonstrava
preservar esse instinto de proteção e defesa. Então debaixo da mesa, o seu
olhar não se desviava de Elói. Ela sabia que não apenas não podia se aproximar,
como também precisava se manter alerta para uma possível defesa. Em outras condições,
ela se aproximaria dele e aceitaria seus afagos com o bem-querer de quem não
esquece o seu dono e lhe mantém o afeto e a fidelidade.
DE GUARDIÃ À COMPANHEIRA E CUIDADORA DE MINHA MÃE
Fora essas circunstâncias, Pocota se revelou uma ótima guardiã da casa. Também
ótima companheira. Mas, principalmente, excelente cuidadora de minha mãe, zelosa
e compreensiva. Como guardiã, Pocota era do tipo silenciosa; logo, muito faropotente,
do tipo que pegava tudo no ar. Dentro de casa, era comum o seu narizinho
arrebitado farejando o ar como a perceber algum sinal de perigo quando por
nossos ouvidos nada nos alertava. Era ela quem acendia o sinal vermelho e nos
deixava à espreita.
Mas sabia como ninguém usar o seu latido bravo e estridente para revelar
a sua insatisfação com algum desafeto que ousava chegar à nossa casa. Era o que
ocorria com o senhor X, um senhor amigo de minha mãe que costumava aparecer
para um dedo de prosa com ela. Pocota não suportava o senhor X e lhe revelava isso
com todos os dentes. À sua chegada eu precisava intervir para que ela não o
abocanhasse. Em tal momento eu sentia a minha hipocrisia estremecer dentro de
mim frente à franqueza de Pocota. Eu também não suportava o senhor X, mas o aceitava
pelo aceite de minha mãe.
O senhor X era aquela pessoa que chegava à nossa casa geralmente cheio de
conversas das casas por onde andava. Era uma das poucas pessoas que costumava
vir conversar com minha mãe. Mas sua conversa não era nada desinteressada. Era
do tipo coletor para levar aonde ia. Então eu vivia alertando a minha mãe. Ela
vivia mais sozinha do que comigo ou com outros e outras. Então ele era sempre
bem-vindo para ela porque teria com quem conversar.
Mas como vivia apenas em casa, o seu reportório não ia muito além dos
desabafos de filhos e filhas que vez ou outra passavam para lhe participar seus
reclames e alegrias da vida. Eram esses desabafos que paravam no coletor do
senhor X. Por essas e outras eu preferia vê-lo pelas costas e a quilômetros de
distância. Creio que era esse o sentimento que Pocota expressava em seu franco latido
contra ele. Ela o reconhecia de longe e o seu faro o alcançava a longa
distância. Então ecoava o alerta. Aprendi a saber de sua aproximação pela
inquietação que a fazia latir com toda a sua alma canina. Não demorava muito,
baixava o dito cujo. Aquele contra o qual Pocota tentava nos proteger com todos
os dentes.
Mas era apenas o seu jeito pequinês e destemido de ser. Tão destemido que
como companheira de minha mãe não poderia ser diferente. Talvez por isso se
mostrasse tão valente assim. Passava a maior parte do tempo ao seu lado. Então
era natural que a tentasse proteger de todas as formas. Ela via no senhor X uma
ameaça que escapava aos nossos olhos. Tanto que ele parecia se sentir
constrangido diante dela. Mesmo acomodado numa cadeira em sua conversa com
minha mãe, ela não o perdia de vista.
Era esse um comportamento de Pocota tão impressionante como o seu jeito
cuidador de minha mãe. Nessa área ela também se mostrava bastante aguerrida. Minha
mãe já era avançada na idade. Seu caminhar lento requisitava atenção e
cuidados. E Pocota parecia saber disso. Tanto que sempre que minha mãe se
levantava para sair de sua poltrona, ela também o fazia. Mas em vez de tomar a
dianteira, parava de lado e aguardava.
Minha mãe não entendia e retrucava: Oh, Pocota, sai do meio. Pocota
apenas erguia os olhos para mamãe e permanecia no mesmo lugar com o rabinho
balançando. Ela não estava no meio, mas de lado. Então eu intervinha: Mãe, ela
fica de lado para a senhora poder passar. É para a senhora não tropeçar. Se
desvie dela. E realmente! Ela deixava minha mãe tomar a dianteira para a seguir
logo atrás. Dessa forma, não havia como minha mãe tropeçar nela. Esse risco ela
não corria, pois Pocota não trafegava entre suas pernas. Ela sabia realmente
como se posicionar para seguir a minha mãe.
Esse comportamento cuidadoso de Pocota eu já percebera tempos atrás em
suas brincadeiras com Mimoso, ainda meio filhote. Naquele fim de tarde, minha
mãe colhia acerolas no pé. De alguma forma tropeçou em Mimoso e caiu. Quando
vi, ela tentava se levantar e Pocota a seu lado toda aflita. Então a ajudei.
Ela retomou às suas acerolas e em seguida se dirigiu à casa de meu irmão Elói
para onde as levaria. Pocota permanecia por ali brincando com Mimoso numa
brincadeira de agarrar. Quando ele viu minha mãe saindo, tentou segui-la, mas
Pocota o impediu bravamente.
Talvez
esta tenha sido a cena mais emocionante protagonizada por Pocota. Minha mãe atravessava
o quintal nos seus passos lentos rumo à casa de Elói. Mimoso tentava se desvencilhar
de Pocota para a seguir. Os dois rolavam no chão. Mas Pocota conseguia
dominá-lo a cada tentativa de se soltar. Seus olhos trafegavam entre o olhar a
minha mãe se distanciar e o agarrar Mimoso para o manter preso. Foram várias as
tentativas de Mimoso. Sempre que se soltava por um instante, Pocota o agarrava
e o jogava novamente ao chão antes que se levantasse por completo. Mantinha uma
de suas patinhas presas à sua boca e o impedia de se levantar e correr. Pocota
somente o libertou quando minha mãe cumpriu o seu trajeto. Quando saiu do seu
campo de visão ao dobrar à parede da casa para alcançar a porta principal. Quando entendeu que Mimoso já não a alcançaria e já não estaria em
perigo. Então saíram os dois na mais afoita e desenfreada carreira no encalço
dela até que eu os perdi igualmente de vista.
O ADEUS DE POCOTA
Pocota
estava para morrer, que nem a cachorra Baleia de Fabiano. Mas não caía o pelo. Era o seu coraçãozinho
que crescia e a fazia agonizar. fazer a sua viagem sem volta. E nos deixar
depois de alguns dias se despedindo.
Era
uma cachorrinha bastante idosa. Desde há muito seu corpinho já demonstrava
sinais de velhice. Os pelos de suas pálpebras embranqueciam. Seus olhos já não
demonstravam o brilho de outrora. Passava grande parte do tempo quietinha,
dormindo ou cochilando. Seu coraçãozinho estava cada vez mais frágil. Era
notável o seu cansaço.
A você, meus agradecimentos pela atenção!
Deus esteja com você!
Sônia Ferreira
Teresina, 06 de maio de 2021.
Você terminou de conhecer uma
história do tipo história de cães e gatos.
Espero
que tenha gostado e acompanhe os conteúdos desta sequência.
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