sábado, 1 de maio de 2021

O voto consciente em nossa ética política: é possível?

 

Imagem com a gata Diamantina apresentando o conteúdo "O voto consciente em nossa ética polícia: é possível?".
Neste conteúdo, questiono a possibilidade do voto consciente, inclusive entre escolarizados e escolarizadas. Refiro-me à ética política como um dos fatores nos quais verifico a impossibilidade. Veja!


O VOTO CONSCIENTE EM NOSSA ÉTICA POLÍTICA: É POSSÍVEL?

 

INTRODUÇÃO

No conteúdo anterior, questiono o fato de termos saído os mesmos e as mesmas da votação do impeachment da Presidenta Dilma. Questiono escolarizados e escolarizadas em seus espaços instituídos, inclusive em organizações da sociedade civil organizada pela falta de iniciativas que vislumbrem alguma perspectiva de mudanças. Apesar dos cenários sombrios vivenciados desde o impeachment, continuamos conformados com as estruturas de poder que nos submetem a todos e a todas.

 Caso queira ver esse conteúdo, clique aqui.

Neste conteúdo, questiono a possibilidade do voto consciente considerado o meio pelo qual poderíamos alcançar alguma mudança. Ainda que não estrutural, pelo menos uma mudança que permitisse uma vida com algum grau de dignidade para muitos e muitas brasileiras e brasileiros que talvez nunca tenham experimentado uma vida assim nem sabido o que é isso.

Como voto consciente entendamos a escolha qualificada e desinteressada do candidato e da candidata cujas ações o revelam e a revelam comprometido ou comprometida com as questões da coletividade, com os interesses da população.

Nas seções seguintes e em conteúdos sequenciais, apresento alguns fatores nos quais verifico impedimentos ao voto consciente e até a sua impossibilidade para muitos e muitas eleitoras e eleitores. Um desses fatores é a ética disseminada em nossa sociedade. A ética voltada para interesses particulares em vez dos coletivos e que influencia a ética política.

Concluo afirmando que essa ética situa os eleitores e as eleitoras de diferentes graus de escolarização no mesmo formato de voto definido muitas vezes mais por interesse particular do que pela consciência do interesse público. Veja a seguir. 

VOTO CONSCIENTE ENTRE PESSOAS ESCOLARIZADAS: ATÉ QUE PONTO É POSSÍVEL?

Em nossa sociedade se construiu nos movimentos de luta por educação um discurso pelo qual os governantes não investiam ou investem em educação porque querem o povo analfabeto para melhor manobrá-lo e o submeter às suas regras.

A esse discurso subjaz um entendimento comum de que as pessoas mais escolarizadas seriam mais esclarecidas e menos suscetíveis à submissão. Assim, estariam mais aptas a votarem de forma mais consciente do que as menos escolarizadas. De forma contrária, as pessoas menos escolarizadas seriam mais submissas porque menos esclarecidas; logo, menos capacitadas para o voto consciente.

Considerando então que grande parte dos eleitores e eleitoras esteja entre as pessoas menos escolarizadas, esse entendimento sugere que essas pessoas seriam de certa forma responsáveis pela manutenção das estruturas de poder. Isto porque não disporiam do voto consciente pelo qual poderíamos escolher representantes comprometidas e comprometidos com o interesse público e com possíveis mudanças.

Considero esse entendimento inquestionável em relação à ampliação da compreensão de mundo que a educação escolar proporciona. Teoricamente, as pessoas mais escolarizadas estão mais aptas a votar com consciência e com mais chances de acertar na escolha em decorrência do seu voto qualificado. Estão em melhores condições de conhecer as diversas situações do jogo político e melhor avaliar os candidatos e as candidatas antes de definir o seu voto.

 Mas em se considerando a nossa ética política, as leis eleitorais, as ideologias partidárias e a alienação que nos atravessa por praticamente todos os lados, a possibilidade do voto consciente se torna bastante questionável, muito duvidoso e até impossível para muitos eleitores e muitas eleitoras. E não apenas para os e as de baixa escolaridade; também para as pessoas com escolarização mais elevada, inclusive de formação superior.

Por uma dessas razões, seja ela qual for, eleitores e eleitoras de diferentes graus de escolarização podem não dispor do voto consciente na hora de votar, tanto os pouco quanto os muito esclarecidos e esclarecidas.

Pela razão ética, em vez do voto consciente o que se efetiva muitas vezes é o voto por interesse por vivenciarmos uma ética embasada em valores particulares mais do que em valores coletivos que evidenciem a preocupação com o outro.

Pelas leis eleitorais, estas não nos favorecem como eleitores e eleitoras; logo, não contribuem com o voto consciente uma vez que apenas legitimam o saber-fazer do sistema.

Pelas ideologias partidárias, são muitas as incompreensões e distorções acerca desse conceito e das ideias que o compõem, o que não contribui com o voto consciente.

Pela alienação, são muitas as circunstâncias de vida dos eleitores e das eleitoras que os e as distanciam da vida prática e política; logo, distanciados e distanciadas do voto consciente.

Esses são alguns fatores nos quais identifico inconsistências no discurso acerca do voto consciente. São as razões por que considero que a escolarização não é fator determinante da qualidade de nosso voto. Não é razão suficiente. Escolarizados e escolarizadas de diferentes graus se submetem igualmente às mesmas regras do poder, sujeitando-se a uma ou à outra por iguais ou diferentes razões.

Assim, o voto que elege pode até ser um voto qualificado e esclarecido, mas não um voto consciente que nos possibilite eleger candidatos e candidatas focadas e focadas realmente no interesse público. Ressalvando-se situações em que se verifica conhecimento pessoal do candidato ou da candidata.

Oportunamente, comentarei sobre essas razões em novos conteúdos. Mas desde já, vejamos um pouco mais sobre a nossa ética política: a ética que direciona a conduta de nossos governantes, representantes democráticos e demais agentes com funções públicas cujas ações destinam-se ao interesse público ou, se não, deveriam se destinar. Veja a seção seguinte. 

ÉTICA POLÍTICA SOB OS VALORES DA ÉTICA DOMINANTE 

A ética é fundamentada em valores transmitidos ao longo das gerações: os valores que compõem a nossa moral. Valores que nos acompanham pela vida inteira da forma como o apreendemos ou os reconstruímos. Valores apreendidos primeiro na família, em nossos pequenos grupos e na sociedade, que os influencia e muitas vezes os determina.

A forma como nos comportamos no dia a dia e como realizamos as nossas ações revelam os valores que orientam a nossa conduta, que embasam a nossa vida. Logo, revelam a nossa ética ou os princípios que nos definem como pessoa humana: se uma pessoa embasada em princípios altruístas, de honestidade e de respeito ao outro ou uma pessoa de princípios contrários e de negação do outro. Em quaisquer dos casos, são valores disseminados em nossa cultura num grau maior ou menor.

Como tem a ver com nossos comportamentos e ações, a ética está presente em todos os espaços da nossa vida. É a ética dominante, que se insere em nossas relações interpessoais e nos submete a todos e a todas aos mesmos modos de fazer e agir, salvo aqueles e aquelas que se baseiam em valores próprios e diferenciados. Isto porque numa sociedade há sempre pessoas que não se ajustam perfeitamente a determinados códigos de ética, mas para viver precisam criar os seus e por eles se orientar.

Como as relações interpessoais estão no cotidiano, significa que a ética nos acompanha a todos os lugares; ou seja, onde quer que estejamos na relação uns com os outros e com as outras lá também está a ética. Por isso, está também na política sob a insígnia de ética política.

A ética política refere-se às condutas das pessoas revestidas de funções públicas. Aquelas que de alguma forma lidam com as questões de interesse público e têm para com a população algum dever de obediência porque representam os seus interesses no âmbito da coletividade. Por isso, denominada de ética política, a ética que direciona o agir de servidores públicos, governantes, parlamentares da representação democrática; enfim, a conduta de todas as pessoas investidas em cargos públicos dos órgãos dos três Poderes da República ou funções públicas com eles relacionados.

Inclusive, é no âmbito político que talvez mais se evidencie a ética, levando à percepção de que seja própria desse âmbito. Isto porque a ética se identifica é nas ações, e a ação dos agentes públicos em seus espaços de representação ou nos de serviços públicos ganham mais visibilidade do que as nossas ações individuais como pessoas anônimas e indiferenciadas.

Por isso, não raras vezes nos deparamos com questionamentos sobre as ações de governantes e parlamentares quando essas ações revelam a supremacia dos interesses particulares sobre os coletivos. Da mesma forma, não raras vezes questionam-se também as ações de demais agentes públicos. Em quaisquer casos, o que se questiona de fato é a ética política que orienta a ação desses agentes.

E ao se questionar essa ética, é como se questionássemos a ética dominante disseminada em toda a sociedade e usual em nossos comportamentos; logo, presentes em muitas de nossas ações. É ela e seus valores que influenciam a ética política.  

Por isso, muitas vezes encontramos no âmbito político condutas compatíveis com as identificadas na sociedade em geral; os mesmos modos de agir ou de se conduzir nos cargos públicos apesar das leis que orientam as ações dos agentes públicos.

Esse fato evidencia que as leis muitas vezes não são suficientes para suplantar valores sedimentados em nossa cultura; ou seja, quanto mais sedimentados, mais difícil se construir novos comportamentos ou reconstruir os antigos; logo, mais difícil se construir uma nova ética.

Como nossa ética dominante é pautada em ideias associadas tanto ao individualismo quanto ao reconhecimento de uns em detrimento de outros, essas ideias estão presentes na ética política. Pelo individualismo, tornamo-nos tendentes a priorizar os interesses particulares em vez dos coletivos. Pela ideia de reconhecimento, tendemos a acreditar que possuímos direitos particulares não conferidos ao conjunto da sociedade devido a alguma distinção autorreferenciada.

Subjaz a essa ética o seguinte entendimento compartilhado por muitos e muitas da nossa sociedade: “porque sou isto, mereço aquilo”. Esse entendimento está presente em nossa ética política e se reconstrói a despeito das leis de amparo à representação e de legitimação da ação pública. É o que leva a transgressões da lei em distintas formas de corrupção.

Por isso, não raras vezes observamos agentes públicos e representantes democráticos agindo em causa própria ou requerendo algum privilégio autorreferenciado à função que exercem. Dessa forma, esquecendo-se que suas ações são ou deveriam ser focadas no interesse público e não neles e nelas próprias e próprios, nem nos seus e nas suas de seu nicho particular. Da mesma forma, na sociedade em geral verificam-se comportamentos éticos corruptíveis devido aos valores da ética dominante que submete a todos e a todas, salvo exceções.

No entanto, agentes públicos não podem usar argumentos embasados na ética dominante para justificar ações de corrupção no âmbito político por pelo menos duas razões: uma, eles exercem funções direta ou indiretamente ligadas ao interesse público, seja como serviços públicos destinados à coletividade, seja como representação, fatos esses que os obrigam à ação reta. Outra: como representantes da população ou investidos em cargos às vezes das mais altas condecorações eles têm a obrigação de dar o exemplo para o conjunto da sociedade. Assim, contribuir com a construção de uma ética pautada em valores supremos, e não alimentar a nossa ética dominante para não fortalecer os seus valores pautados na insignificância do outro. 

CONCLUINDO...

A respeito da ética política, vimos que é uma extensão da ética dominante pautada em valores particulares que nos submetem a todos e a todas, inclusive agentes públicos. Uma vez sedimentada na cultura, por essa ética se torna difícil a mudança dos comportamentos embasados nesses valores; logo, difícil alguma mudança que privilegie os valores coletivos e mais difícil ainda mudanças estruturais pelo menos por duas razões:

Uma: sob essa ética, a tendência é votarmos priorizando os interesses particulares em vez dos coletivos, cujos benefícios teriam mais possibilidade de alcance pelo voto consciente. E votar dessa forma não é próprio apenas de eleitores e eleitoras menos escolarizados e escolarizadas, mas de muitos e muitas inseridas e inseridos nessa ética, salvo exceções. Mas às exceções, também dificilmente teriam um voto consciente por outras razões apresentadas em conteúdo posterior. Afinal, em nossa sociedade brasileira são muitos os entraves para o voto consciente.

Outra:  a única forma de não se inserir nessa ética é pela honestidade e pela justiça própria de cada um e cada uma; sendo honesto ou honesta, justo ou justa. E isso não é questão de escolarização. Nem de leis. Mas de princípios ancorados em valores distintos aos da ética disseminada na sociedade à qual se vincula a nossa ética política e nesse âmbito direciona nossas ações como na sociedade em geral. Salvo exceções.

Mas no geral, uma ética perniciosa que nos faz reproduzir comportamentos danosos ao bem comum sem nos dá conta de que os reproduzimos, exatamente por estar sedimentada em nossa cultura e por isso fugir da nossa zona de estranhamento. Sob essa ética então como saber quem é honesto ou honesta, justa ou justo? Como saber quem é quem no jogo político na definição do voto para votar com certo grau de consciência?

Creio que independentemente da educação escolarizada esse saber seja uma dificuldade e até uma impossibilidade de todos e todas as eleitoras e eleitores que não conhecem o candidato ou a candidata em seu âmbito particular. Isto considerando que no jogo eleitoral há sempre candidaturas de primeira vez com pessoas anônimas.

Essas candidaturas são desfavorecidas pelas leis eleitorais assim como os eleitores e as eleitoras no exercício do voto consciente. São leis que impossibilitam conhecer a totalidade dos candidatos e candidatas e respectivos partidos políticos mesmo com sua fraca representação democrática. Mas este é um assunto para outro conteúdo. Aguarde por gentileza.

Considero, enfim, que com essa ética não podemos atribuir apenas aos menos escolarizados e escolarizadas a responsabilidade pela manutenção das estruturas vigentes de poder por não disporem do conhecimento que lhes possibilite o voto consciente. Há todo um sistema por ela alimentado que favorece essas estruturas e dificulta mudanças que priorizem o bem comum. Nesse sistema, incluem-se especialmente as leis eleitorais a partir da Constituição Federal; a educação escolarizada, especialmente a formação superior; e as ideologias partidárias. Mas esses são temas para conteúdos posteriores.  

A você, meus agradecimentos.

Deus esteja com você!

Sônia Ferreira

Teresina, 01 de maio de 2021.

 

Você terminou de conhecer o segundo conteúdo do Caminho SMF Achados e Trapos.

Espero que tenha gostado e acompanhe os conteúdos da sequência. 

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