Neste conteúdo, questiono a possibilidade do voto consciente, inclusive entre escolarizados e escolarizadas. Refiro-me à ética política como um dos fatores nos quais verifico a impossibilidade. Veja! |
O VOTO CONSCIENTE EM NOSSA ÉTICA POLÍTICA: É POSSÍVEL?
INTRODUÇÃO
No conteúdo anterior, questiono o fato de termos saído os mesmos e as
mesmas da votação do impeachment da Presidenta Dilma. Questiono
escolarizados e escolarizadas em seus espaços instituídos, inclusive em organizações
da sociedade civil organizada pela falta de iniciativas que vislumbrem alguma
perspectiva de mudanças. Apesar dos cenários sombrios vivenciados desde o impeachment,
continuamos conformados com as estruturas de poder que nos submetem a todos e a
todas.
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Neste conteúdo, questiono a possibilidade do voto consciente considerado
o meio pelo qual poderíamos alcançar alguma mudança. Ainda que não estrutural,
pelo menos uma mudança que permitisse uma vida com algum grau de dignidade para
muitos e muitas brasileiras e brasileiros que talvez nunca tenham experimentado
uma vida assim nem sabido o que é isso.
Como voto consciente entendamos a escolha qualificada e desinteressada
do candidato e da candidata cujas ações o revelam e a revelam comprometido ou
comprometida com as questões da coletividade, com os interesses da população.
Nas seções seguintes e em conteúdos sequenciais, apresento alguns
fatores nos quais verifico impedimentos ao voto consciente e até a sua
impossibilidade para muitos e muitas eleitoras e eleitores. Um desses fatores é
a ética disseminada em nossa sociedade. A ética voltada para interesses
particulares em vez dos coletivos e que influencia a ética política.
Concluo afirmando que essa ética situa os eleitores e as eleitoras de diferentes graus de escolarização no mesmo formato de voto definido muitas vezes mais por interesse particular do que pela consciência do interesse público. Veja a seguir.
VOTO CONSCIENTE ENTRE PESSOAS ESCOLARIZADAS: ATÉ QUE PONTO É POSSÍVEL?
Em nossa sociedade se construiu nos movimentos de luta por educação um discurso
pelo qual os governantes não investiam ou investem em educação porque querem o
povo analfabeto para melhor manobrá-lo e o submeter às suas regras.
A esse discurso subjaz um entendimento comum de que as pessoas mais escolarizadas
seriam mais esclarecidas e menos suscetíveis à submissão. Assim, estariam mais
aptas a votarem de forma mais consciente do que as menos escolarizadas. De
forma contrária, as pessoas menos escolarizadas seriam mais submissas porque
menos esclarecidas; logo, menos capacitadas para o voto consciente.
Considerando então que grande parte dos eleitores e eleitoras esteja
entre as pessoas menos escolarizadas, esse entendimento sugere que essas
pessoas seriam de certa forma responsáveis pela manutenção das estruturas de
poder. Isto porque não disporiam do voto consciente pelo qual poderíamos
escolher representantes comprometidas e comprometidos com o interesse público e
com possíveis mudanças.
Considero esse entendimento inquestionável em relação à ampliação da
compreensão de mundo que a educação escolar proporciona. Teoricamente, as
pessoas mais escolarizadas estão mais aptas a votar com consciência e com mais
chances de acertar na escolha em decorrência do seu voto qualificado. Estão em
melhores condições de conhecer as diversas situações do jogo político e melhor
avaliar os candidatos e as candidatas antes de definir o seu voto.
Mas em se considerando a nossa ética
política, as leis eleitorais, as ideologias partidárias e a alienação que
nos atravessa por praticamente todos os lados, a possibilidade do voto
consciente se torna bastante questionável, muito duvidoso e até impossível para
muitos eleitores e muitas eleitoras. E não apenas para os e as de baixa
escolaridade; também para as pessoas com escolarização mais elevada, inclusive
de formação superior.
Por uma dessas razões, seja ela qual for, eleitores e eleitoras de
diferentes graus de escolarização podem não dispor do voto consciente na hora
de votar, tanto os pouco quanto os muito esclarecidos e esclarecidas.
Pela razão ética, em vez do voto consciente o que se efetiva muitas
vezes é o voto por interesse por vivenciarmos uma ética embasada em valores
particulares mais do que em valores coletivos que evidenciem a preocupação com
o outro.
Pelas leis eleitorais, estas não nos favorecem como eleitores e
eleitoras; logo, não contribuem com o voto consciente uma vez que apenas
legitimam o saber-fazer do sistema.
Pelas ideologias partidárias, são muitas as incompreensões e distorções acerca
desse conceito e das ideias que o compõem, o que não contribui com o voto
consciente.
Pela alienação, são muitas as circunstâncias de vida dos eleitores e das
eleitoras que os e as distanciam da vida prática e política; logo, distanciados
e distanciadas do voto consciente.
Esses são alguns fatores nos quais identifico inconsistências no
discurso acerca do voto consciente. São as razões por que considero que a
escolarização não é fator determinante da qualidade de nosso voto. Não é razão
suficiente. Escolarizados e escolarizadas de diferentes graus se submetem igualmente
às mesmas regras do poder, sujeitando-se a uma ou à outra por iguais ou
diferentes razões.
Assim, o voto que elege pode até ser um voto qualificado e esclarecido,
mas não um voto consciente que nos possibilite eleger candidatos e candidatas
focadas e focadas realmente no interesse público. Ressalvando-se situações em
que se verifica conhecimento pessoal do candidato ou da candidata.
Oportunamente, comentarei sobre essas razões em novos conteúdos. Mas desde já, vejamos um pouco mais sobre a nossa ética política: a ética que direciona a conduta de nossos governantes, representantes democráticos e demais agentes com funções públicas cujas ações destinam-se ao interesse público ou, se não, deveriam se destinar. Veja a seção seguinte.
ÉTICA POLÍTICA SOB OS VALORES DA ÉTICA DOMINANTE
A ética é fundamentada em valores transmitidos ao longo das gerações: os
valores que compõem a nossa moral. Valores que nos acompanham pela vida inteira
da forma como o apreendemos ou os reconstruímos. Valores apreendidos primeiro
na família, em nossos pequenos grupos e na sociedade, que os influencia e
muitas vezes os determina.
A forma como nos comportamos no dia a dia e como realizamos as nossas
ações revelam os valores que orientam a nossa conduta, que embasam a nossa
vida. Logo, revelam a nossa ética ou os princípios que nos definem como pessoa
humana: se uma pessoa embasada em princípios altruístas, de honestidade e de respeito
ao outro ou uma pessoa de princípios contrários e de negação do outro. Em
quaisquer dos casos, são valores disseminados em nossa cultura num grau maior
ou menor.
Como tem a ver com nossos comportamentos e ações, a ética está presente
em todos os espaços da nossa vida. É a ética dominante, que se insere em
nossas relações interpessoais e nos submete a todos e a todas aos mesmos modos
de fazer e agir, salvo aqueles e aquelas que se baseiam em valores próprios e
diferenciados. Isto porque numa sociedade há sempre pessoas que não se ajustam perfeitamente
a determinados códigos de ética, mas para viver precisam criar os seus e por
eles se orientar.
Como as relações interpessoais estão no cotidiano, significa que a ética
nos acompanha a todos os lugares; ou seja, onde quer que estejamos na relação
uns com os outros e com as outras lá também está a ética. Por isso, está também
na política sob a insígnia de ética política.
A ética política refere-se às condutas das pessoas revestidas de funções
públicas. Aquelas que de alguma forma lidam com as questões de interesse
público e têm para com a população algum dever de obediência porque representam
os seus interesses no âmbito da coletividade. Por isso, denominada de ética
política, a ética que direciona o agir de servidores públicos, governantes,
parlamentares da representação democrática; enfim, a conduta de todas as
pessoas investidas em cargos públicos dos órgãos dos três Poderes da República
ou funções públicas com eles relacionados.
Inclusive, é no âmbito político que talvez mais se evidencie a ética,
levando à percepção de que seja própria desse âmbito. Isto porque a ética se
identifica é nas ações, e a ação dos agentes públicos em seus espaços de
representação ou nos de serviços públicos ganham mais visibilidade do que as
nossas ações individuais como pessoas anônimas e indiferenciadas.
Por isso, não raras vezes nos deparamos com questionamentos sobre as
ações de governantes e parlamentares quando essas ações revelam a supremacia
dos interesses particulares sobre os coletivos. Da mesma forma, não raras vezes
questionam-se também as ações de demais agentes públicos. Em quaisquer casos, o
que se questiona de fato é a ética política que orienta a ação desses agentes.
E ao se questionar essa ética, é como se questionássemos a ética
dominante disseminada em toda a sociedade e usual em nossos comportamentos;
logo, presentes em muitas de nossas ações. É ela e seus valores que influenciam
a ética política.
Por isso, muitas vezes encontramos no âmbito político condutas compatíveis
com as identificadas na sociedade em geral; os mesmos modos de agir ou de se
conduzir nos cargos públicos apesar das leis que orientam as ações dos agentes
públicos.
Esse fato evidencia que as leis muitas vezes não são suficientes para suplantar
valores sedimentados em nossa cultura; ou seja, quanto mais sedimentados, mais
difícil se construir novos comportamentos ou reconstruir os antigos; logo, mais
difícil se construir uma nova ética.
Como nossa ética dominante é pautada em ideias associadas tanto ao
individualismo quanto ao reconhecimento de uns em detrimento de outros, essas ideias
estão presentes na ética política. Pelo individualismo, tornamo-nos tendentes a
priorizar os interesses particulares em vez dos coletivos. Pela ideia de reconhecimento,
tendemos a acreditar que possuímos direitos particulares não conferidos ao
conjunto da sociedade devido a alguma distinção autorreferenciada.
Subjaz a essa ética o seguinte entendimento compartilhado por muitos e
muitas da nossa sociedade: “porque sou isto, mereço aquilo”. Esse entendimento está
presente em nossa ética política e se reconstrói a despeito das leis de amparo
à representação e de legitimação da ação pública. É o que leva a transgressões
da lei em distintas formas de corrupção.
Por isso, não raras vezes observamos agentes públicos e representantes democráticos
agindo em causa própria ou requerendo algum privilégio autorreferenciado à
função que exercem. Dessa forma, esquecendo-se que suas ações são ou deveriam ser
focadas no interesse público e não neles e nelas próprias e próprios, nem nos
seus e nas suas de seu nicho particular. Da mesma forma, na sociedade em geral
verificam-se comportamentos éticos corruptíveis devido aos valores da ética
dominante que submete a todos e a todas, salvo exceções.
No entanto, agentes públicos não podem usar argumentos embasados na ética dominante para justificar ações de corrupção no âmbito político por pelo menos duas razões: uma, eles exercem funções direta ou indiretamente ligadas ao interesse público, seja como serviços públicos destinados à coletividade, seja como representação, fatos esses que os obrigam à ação reta. Outra: como representantes da população ou investidos em cargos às vezes das mais altas condecorações eles têm a obrigação de dar o exemplo para o conjunto da sociedade. Assim, contribuir com a construção de uma ética pautada em valores supremos, e não alimentar a nossa ética dominante para não fortalecer os seus valores pautados na insignificância do outro.
CONCLUINDO...
A respeito da ética política, vimos que é uma extensão da ética
dominante pautada em valores particulares que nos submetem a todos e a todas,
inclusive agentes públicos. Uma vez sedimentada na cultura, por essa ética se torna
difícil a mudança dos comportamentos embasados nesses valores; logo, difícil
alguma mudança que privilegie os valores coletivos e mais difícil ainda
mudanças estruturais pelo menos por duas razões:
Uma: sob essa ética, a tendência é votarmos priorizando os interesses
particulares em vez dos coletivos, cujos benefícios teriam mais possibilidade
de alcance pelo voto consciente. E votar dessa forma não é próprio apenas de
eleitores e eleitoras menos escolarizados e escolarizadas, mas de muitos e
muitas inseridas e inseridos nessa ética, salvo exceções. Mas às exceções,
também dificilmente teriam um voto consciente por outras razões apresentadas em
conteúdo posterior. Afinal, em nossa sociedade brasileira são muitos os
entraves para o voto consciente.
Outra: a única forma de não se
inserir nessa ética é pela honestidade e pela justiça própria de cada um e cada
uma; sendo honesto ou honesta, justo ou justa. E isso não é questão de
escolarização. Nem de leis. Mas de princípios ancorados em valores distintos
aos da ética disseminada na sociedade à qual se vincula a nossa ética política
e nesse âmbito direciona nossas ações como na sociedade em geral. Salvo
exceções.
Mas no geral, uma ética perniciosa que nos faz reproduzir comportamentos
danosos ao bem comum sem nos dá conta de que os reproduzimos, exatamente por
estar sedimentada em nossa cultura e por isso fugir da nossa zona de
estranhamento. Sob essa ética então como saber quem é honesto ou honesta, justa
ou justo? Como saber quem é quem no jogo político na definição do voto para
votar com certo grau de consciência?
Creio que independentemente da educação escolarizada esse saber seja uma
dificuldade e até uma impossibilidade de todos e todas as eleitoras e eleitores
que não conhecem o candidato ou a candidata em seu âmbito particular. Isto
considerando que no jogo eleitoral há sempre candidaturas de primeira vez com
pessoas anônimas.
Essas candidaturas são desfavorecidas pelas leis eleitorais assim como
os eleitores e as eleitoras no exercício do voto consciente. São leis que
impossibilitam conhecer a totalidade dos candidatos e candidatas e respectivos
partidos políticos mesmo com sua fraca representação democrática. Mas este é um
assunto para outro conteúdo. Aguarde por gentileza.
Considero, enfim, que com essa ética não podemos atribuir apenas aos menos escolarizados e escolarizadas a responsabilidade pela manutenção das estruturas vigentes de poder por não disporem do conhecimento que lhes possibilite o voto consciente. Há todo um sistema por ela alimentado que favorece essas estruturas e dificulta mudanças que priorizem o bem comum. Nesse sistema, incluem-se especialmente as leis eleitorais a partir da Constituição Federal; a educação escolarizada, especialmente a formação superior; e as ideologias partidárias. Mas esses são temas para conteúdos posteriores.
A você,
meus agradecimentos.
Deus
esteja com você!
Sônia
Ferreira
Teresina, 01
de maio de 2021.
Você
terminou de conhecer o segundo conteúdo do Caminho SMF Achados e Trapos.
Espero que tenha gostado e acompanhe os conteúdos da sequência.
Convite Siga Nós! Com Diamantina, a gatinha-guia dos conteúdos deste caminho SMF Achados e Trapos. |
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