Este conteúdo é mais um retrato do meu tempo de menina. Eu e meu irmão Elói em instantes eternizados em minhas lembranças. Afagos na alma. |
MEU IRMÃO ELÓI E O VENTO BOM DE PAPAGAIO
MANHÃ DE VENTO BOM
Aquela era uma manhã de vento bom. Uma manhã boa de papagaios no ar. O
vento soprava de um jeito que não ia demais nem vinha de menos. Do jeito que as pipas gostavam. Do jeito que os meninos gostavam ainda mais. Um jeito que
só aquele vento bom de papagaios sabia como os manter plainando a uma altura de
arregalar os olhos. Ainda que aqueles olhos fossem apenas os olhos dos meninos.
Ainda que fossem apenas os olhos de meu irmão Elói. Mas não eram tão somente. Eram os olhos da meninada daqueles tempos.
Eu sempre sabia quando uma manhã era boa de empinar pipas, que a gente conhecia tão bem como papagaios. Não apenas pelo soprar do vento lá fora a me dizer manhã de vento bom. Mas pelo adentrar
desenfreado de meu irmão Elói à nossa casa. Quando eu o via chegar com o papel seda e
as talas na mão à procura de goma e colher para fazer a cola grude. Então eu sabia. Aquela era sem dúvidas uma manhã de vento bom. Manhã boa de papagaios daquelas que o vento soprava a favor. Tanto que Elói
já se preparava para ela. Então eu já não seria dona de mim. Não naquela manhã.
Não enquanto durasse aquele vento bom de papagaios. Não enquanto Elói não estivesse puxando a linha de sua pipa no ar.
MEU IRMÃO ELÓI: NO SEU BRINCAR O MEU AJUDAR
Eu poderia estar logo ali no terreiro da cozinha brincando de casinha. Ou ajeitando alguma roupinha dos bibis em seus corpinhos frágeis. Não importava muito o que eu estivesse fazendo. Não numa manhã boa de empinar papagaios. Meu irmão Elói sempre me tirava de minhas coisas para ajudar ele nas suas. Podia ser o que fosse, eu logo deixava de lado e corria para ele. As coisas dele sempre pareciam ser de muita necessidade e de muita urgência. As minhas podiam esperar.
E diante do vento bom daquelas manhãs não havia necessidade maior
do que preparar as talas e o papel seda. E logo depois ver o papagaio pronto pegar
o vento e ganhar alturas. Voar no céu de
nosso subúrbio entre uma pirueta e outra a encantar os olhos. Empinar a pipa
dos meninos que naquele tempo a chamavam de papagaio. Pelo menos os meninos que
com o meu irmão Elói se encontravam na rua em frente a nossa casa para empinar
os seus. Cada qual com suas cores.
Então não havia ninguém melhor do que eu para o
ajudar a preparar a armação. A colocar tala sobre tala para receber o papel seda. A seda de pipa. E
Elói sabia disso. Então lá vinha ele com a armação apontada para mim: segura
aqui, dizia. E lá estava eu segurando firme as talas enquanto ele as fixava uma
sobre a outra até as deixar no ponto da seda. Então era a hora da cola grude para
segurar o papel seda. E lá eu continuava para o ajudar nos arremates finais. Só faltavam o rabo e a linha para ele ganhar a rua com o seu papagaio
pronto para empinar. Então ele esperaria o melhor vento para o voo preciso. E logo seria mais uma pipa a piruetar no ar, a tomar o caminho das nuvens enfeitando o céu daquela manhã de vento bom.
Era comigo que meu irmão Elói sempre contava nas
suas coisas para fazer. E não lhe faltavam coisas para fazer. Não em seu tempo
de menino. Eram tantas as coisas que o tempo parecia se dividir em vários só
para o atender. Tempos de empinar papagaios. Tempos de jogar petecas e
triângulos. Tempos de jogar castanhas. E em todos os tempos, tempo de baladeiras
e arapucas.
Os tempos dele de brincar eram também os meus tempos. De tanto
o ajudar em suas tarefas de brincar, suas brincadeiras de menino terminaram sendo as
minhas brincadeiras também. Intercaladas com o meu brincar de boneca e
de casinha. Quase sempre interrompidas pela ajuda às coisas dele.
ENTRE OS VOOS DO "PAPAGAIO" E AS QUEDAS DA CURICA
Mais uma vez eu estava com ele na sala de
visitas de nossa casa. Uma sala logo à entrada da porta. Sobre o chão de barro
batido estávamos nós debruçados entre talas e papéis esparramados pelo chão.
Ele no aprontar do seu papagaio. Eu na sua ajuda costumeira. Mas entre um
segurar e outro eu tentava dar forma à minha curica. Fazia valer o ditado que eu
aprendera talvez desde então. Quem não tem cão caça com gato.
Não havia quem fizesse meu irmão Elói fazer um
papagaio para mim. Por mais que eu lhe pedisse. Nem sequer deixava eu dar uma voltinha
com o dele. Uma voltinha no ar. Nem sequer pegar direito. Eu só servia para
segurar uma pontinha aqui outra acolá. Eu só servia para ajudar. Então não
havia outro jeito senão eu mesma fazer minha curica. Uma armação à lá papagaio.
Mas não com a mesma robustez. Nem com as mesmas cores. Muito menos com a
imponência de quem sabe se aventurar no ar. De quem sabe se agarrar às asas do
vento e alcançar os céus. Nada disso podia se ver na minha curica. Até porque em
vez do papel seda fina era a folha grossa de caderno que lhe revestia a armação.
Então naquela manhã o vento soprava do jeito que os
papagaios gostavam. Daquele jeito que os mantinha rodopiando nas alturas de um
lado a outro. Do jeito que lhes fixava à linha reta e os deixava como parados
no ar. Elói lá estava no meio dos meninos empinando o seu. Logo ali na rua que
passava em frente à nossa casa. A rua meio tortuosa de pedras pelo meio e matos ladeados.
Arbustos que se erguiam a meio metro de altura e logo envergavam seus galhos
rumo ao chão.
Mas era sobre aqueles arbustos que eu terminava parando em busca de minha curica. Ela insistia em não ganhar altura. Por mais que o vento soprasse e fizesse os papagaios dos meninos alcançarem os céus. Por mais que eu corresse puxando a linha que a prendia. Não havia jeito. Era o chão que ela buscava. Era o mato à beira do caminho que quase sempre a acolhia.
Com a minha curica na mão, eu olhava aqueles papagaios no mais alto dos céus. Papagaios com ares de pipa. Mas não entendia aquele despropósito de minha curica não passar do chão. Não passar dos arbustos retorcidos que quase encobriam o caminho. Olhava meu irmão Elói no empinar do seu papagaio. Via como ele movimentava rápido a linha à sua mão num puxar e repuxar de um vai e vem sucessivo de alto a baixo. Talvez acreditasse que o segredo estivesse na sua habilidade de movimentar a linha. Mas como saber? Era a minha idade talvez tão pueril que só o tempo talvez me dissesse.
Mas então em observando aqueles papagaios no ar, eu tentava compreender também o ato de ver longe. Tentava entender a capacidade dos olhos de enxergar o distante. E saber se os outros também enxergavam. Assim como eu. Então me voltei para minha irmã Milca e lhe perguntei se ela via aqueles papagaios com suas piruetas no céu. Ela me respondeu que sim. Mas talvez de uma forma que não me convenceu. Tanto que lhe perguntei novamente apontando para o alto e lhe mostrando as pipas lá quase no meio das nuvens. Ela me respondeu aborrecida com voz meio gritante que via porque não era cega. E logo saiu correndo se afastando de mim. Creio que fosse minha irmã Milca, porque Taelma ainda era pequena demais para entender das coisas dos meninos grandes. Nem das meninas. Ainda mais quando essas coisas tinham a ver com pipas no ar.
REMINISCÊNCIAS: A MENINADA DA NOSSA CASA
Mais uma vez, eu e meus resgates de mim
mesma. Vivências que minha memória não apaga. Graças a Deus! Não que eu me
apegue às lembranças que lhes dão forma. Mas que estão lá sempre que preciso.
Cada qual no seu escaninho. Recôncavos da memória prontos a se abrirem ao
resgate de alguma vivência lá guardada. Reminiscências do meu tempo de menina.
Mais uma vez eu na minha janela para o
mundo. De lá me deparei com meu irmão Elói com o seu jeito irrequieto de ser;
sempre em movimento; sempre em busca de algo para fazer. Sempre fazendo alguma
coisa. Então o vejo no seu entrar e sair. No seu chegar e logo ir de novo. No
seu parar próximo a mim para me pedir algo; para pedir que lhe fizesse alguma
coisa. Então me vejo a seu lado em muitas das suas brincadeiras. Não que ele
brincasse comigo. Eu é que brincava a seu lado enquanto o ajudava em alguma
coisa.
Em nossa casa, éramos quatro chamados de menino e meninas. Nossas
idades certamente nos dividiram em duas duplas. Eu e Elói éramos os mais velhos
e por isso nos aproximamos mais. Milca e Taelma, as mais novas, mais se identificaram
e se aliaram nas brincadeiras conjuntas. Enquanto as duas seguiam com suas
casinhas de boneca, eu seguia mais com Elói nas brincadeiras dele que
terminavam minhas. Então foi fácil aprender brincadeiras de meninos sem
esquecer as roupinhas e as casinhas das minhas bonecas.
A você, meus agradecimentos!
Deus esteja com você!
Sônia Ferreira
Teresina, 16 de maio de 2021.
Você terminou de conhecer o terceiro conteúdo do
Caminho Memórias de Mim.
Espero que tenha gostado e acompanhe os conteúdos
seguintes.
Maria Eugênia: a guia de conteúdo deste caminho Memórias de Mim. |
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