MINHA MÃE SOB TRANSTORNOS
SERIA O ALZHEIMER?
INTRODUÇÃO
Fazia pouco tempo
que minha irmã me ajudava nos cuidados com a nossa mãe quando percebemos
alterações no seu comportamento. Ela estava silenciosa e quieta. O seu
retraimento já era percebido inclusive por pessoas que a visitavam. Ela estava
menos comunicativa. Nas conversações, respondia apenas o necessário e logo
voltava ao seu silêncio. Seu sorriso se tornava cada vez mais raro. O seu jeito aconchegante e natural de ser já
não era o mesmo. Estava realmente depressiva.
Então a
levamos para atividades físicas num centro de convivência para pessoas idosas. Duas
vezes por semana. Mesmo assim, o seu retraimento permanecia. Nesse
quadro então se manifestou outro comportamento diferente: uma ação repetitiva
de arrumar os tapetes por onde passava, especialmente o que ficava próximo à
sua cadeira de descanso e à entrada do banheiro do seu quarto.
Em seguida, outra alteração no seu comportamento nos
levou a encerrar as atividades no centro de convivência. Recuamos diante de novas ações
repetitivas logo nas primeiras horas da manhã. Ela começava a agir de forma
estranha ao se levantar de manhã e à noite ao se preparar para dormir. Alterações
essas que passariam a se manifestar durante todo o dia de diferentes formas.
Seu comportamento se alterava progressivamente. O que se iniciara com silêncio
e desolação progressivos, avançava também na repetição de movimentos. Ao mesmo
tempo, crescia nela a impaciência e a agressividade.
É o que veremos neste conteúdo. As alterações no comportamento de minha mãe. A evolução inicial de seus transtornos. Do ajeitar o tapete no chão ela passou a ajeitar o lençol na cama e no corpo na hora de dormir à noite e ao acordar de manhã. Ajeitar repetidamente. Confira! Espero que goste e contribua de alguma forma com você.
AÇÕES REPETITIVAS: DO AJEITAR O TAPETE AO AJEITAR O LENÇOL
Naquela
manhã, ela estava em frente à televisão
em seus programas religiosos de todos os dias. Mas nada atenta a eles.
Mantinha-se cabisbaixa. Desolada. Em total alheamento, deslizava continuamente
a ponta da bengala no tapete sob seus pés. Uma ação que se repetia
diuturnamente sempre que se mantinha sentada naquele lugar.
Dali a pouco, aquela ação se repetia com o tapete do
banheiro de seu quarto. Ao passar por ele, lá se detinha de pé apoiada na
porta. A cabeça declinada. O olhar fixo no chão. Embaixo, o deslizar repetitivo
da ponta da bengala no tapete. Com a
mesma expressão desolada. Num silêncio de dá dó. Então eu intervinha. “Vamos,
mãe, vamos. Deixe aí que eu ajeito.” Dizia eu para a tirar do seu alheamento.
Então recolhi os tapetes, embora sabendo que não
eram o problema. Eram aderentes e não estavam fora de lugar. Era apenas o
início de alguns transtornos que a acometiam e pelos quais passaríamos com ela
em nossas ações de cuidados. Àquelas ações se somariam outras de evolução igualmente
progressiva.
Numa determinada noite, observei nela outro comportamento
estranho ao se deitar para dormir. Sentada à borda da cama, o seu
fazer habitual se destinava às orações para em seguida se acomodar ao seu sono
santo. Depois de deitada, eu concluía os ajustes finais com o apagar da luz. Naquela
noite, porém, permaneceu continuamente ajeitando o lençol sobre a cama por um
tempo que me chamou atenção de tão longo.
Nos dias seguintes, aquela ação se repetia. Desenvolvia
a mania de arrumar incessantemente o lençol sobre a cama. Passava muito tempo
alisando as bordas do lençol à procura do lado direito, acreditando estar pelo
avesso. Ao tentar ajudá-la, não aceitava, dizendo que eu não sabia. Então eu só
a observava naquela ação repetitiva depois de suas orações
habituais. Alisava sem pressa as bordas do lençol e o dobrava e redobrava sucessivas
vezes tentando a todo custo igualar as pontas uma à outra. Repetidamente. Eu já nem tentava intervir,
pois ela recusava aborrecida a minha ajuda.
Até
então minha mãe era autônoma no seu preparar-se para dormir. Por isso, todas as
noites eu apenas a acompanhava no seu preparo e a aguardava se deitar para
poder apagar a luz. Assim eu me habituara a fazer desde que assumira os
cuidados com ela. Mas então começaram aqueles transtornos e o seu acomodar-se
para dormir retardava cada vez mais. Tanto que naquela noite, naquela espera,
quem dormiu fui eu. Sem ver o final daquele arrumar sem fim. Ao acordar à alta
hora, ela dormia declinada na lateral da cama. Descomposta. As pernas
dependuradas. Sinal claro de que o sono a vencera sem que finalizasse aquela
ação.
Então
a acomodei à cama pela primeira vez. A primeira de sucessivas vezes, porque
dali em diante ela não mais retomou às suas ações. A evolução progressiva
daqueles transtornos a levaria à total perda de autonomia. Ela não conseguiria
mais ajeitar o travesseiro, a vestir sua roupa, a encontrar seu próprio jeito
de se acomodar na cama para dormir. Algo progredia nela comprometendo a sua saúde, mas só depois é que saberíamos: era o
Alzheimer encontrando o seu caminho em nossa vida.
Comportamento
semelhante àquele da noite se repetia pela manhã no seu acordar. Também de
forma progressiva. Inicialmente, as orações matinais se tornaram mais longas.
Ela permanecia mais tempo sentada à borda da cama. Também em torno do lençol.
Mas dali a pouco já não se viam orações. Somente o colocar do lençol na cabeça
em forma de véu. Num ajeitar repetitivo. Os mesmos movimentos iam e vinham sobre
o lençol num ajeitar sem fim e no mais completo silêncio. Negava veementemente
a minha ajuda. Dizia que tinha que ser daquele jeito.
Naquela manhã, minha irmã chegou e me
encontrou atrasada nos primeiros cuidados com a nossa mãe. Nós havíamos nos
dividido nos cuidados da manhã. Nas primeiras horas, eu lhe daria a primeira
refeição e as primeiras medicações. Ao chegar um pouco mais tarde, minha irmã lhe
daria o banho e seguiria com os demais cuidados até o início da tarde ao
finalizar seu expediente. Então eu os retomaria até o dia seguinte. Essa ordem,
no entanto, alterava-se cada vez mais com as alterações no comportamento de nossa
mãe.
Era
o que ocorria naquele instante. Ao adentrar o quarto, minha irmã nos encontrou
em frente do espelho. Nossa mãe de pé com o lençol sobre a cabeça em forma de
manto. Ao seu lado, eu a observava em seus movimentos repetitivos iniciados
ainda na borda da cama ao acordar. Dali passara para o espelho, onde se
mantinha irredutível num alisar repetitivo das pontas do lençol sobre o corpo
como se fosse um véu. O silêncio era tudo o que se ouvia dela.
Mas
também observávamos certa rispidez em seu olhar e em sua fala ao reagir às
nossas tentativas de ajudar. Uma agressividade crescente à medida que eu e
minha irmã tentávamos tirá-la daquela situação. Nas suas recusas, eram comuns expressões do tipo: “me deixem, vocês não
sabem, vão cuidar das coisas de vocês, me deixem terminar... Oh, meu Deus! Oh,
meu Pai eterno!...” Assim seguia com suas exclamações. Bastante irritada por
não aceitar ser contrariada.
Em
tais condições, nossa rotina estava fora do lugar. Principalmente, a de
cuidados. Bastante alterada. A demora de sair daquele delírio matinal retardava
a sua primeira refeição e as primeiras medicações. Também o banho da manhã.
Tudo cada vez mais tarde. Inclusive porque cada ação dela era carregada de
prolongamentos. Ações que se alongavam além do tempo necessário e fugiam cada
vez mais do nosso controle.
É o que veremos no conteúdo seguinte em relação ao seu caminhar pela casa em oração e louvores. Já não era o lençol sobre a cama nem sobre a cabeça. Mas sua religiosidade se manifestando com muita força em suas ações, que se tornavam cada vez mais incompreensíveis para nós. Confira na seção seguinte.
CONCLUINDO...
Minha
mãe com essas alterações todas em seu comportamento, mas nem de longe suspeitei
que seriam indicativos de Alzheimer. Nem minha irmã. Nem ninguém entre nós. Ela
não revelava perda de memória, esse conhecimento geralmente mais disseminado
sobre a doença. Também não revelava o comportamento de sair de casa a ermo como
eu vira se manifestar numa amiga dela. Essa amiga ficara um bom tempo sob
vigília da família. Mesmo assim, de vez em quando escapava e ganhava a rua à
procura da casa de amigas de outros tempos. Enfim, essa amiga com Alzheimer havia manifestado comportamentos que não verificávamos em nossa mãe.
Então
as alterações de seu comportamento muito nos confundiam. Chegamos a
pensar que seria outra espécie de “caduquice” diferente do Alzheimer. Mas só
com o surgimento de novos comportamentos estranhos foi que atentamos para a
gravidade da situação e procuramos ajuda médica. No entanto, mesmo com a
medicação prescrita, não conseguimos administrá-la devido à sua negação e à falta
de habilidade de nossa parte em lidar com a situação. Havíamos perdido o
controle sobre ela. Estava realmente em surto e em meio a suas andanças pela casa ela caiu. Da urgência hospitalar, ela retornou devidamente medicada e controlada. Somente então assumimos o controle sobre ela e retomamos nossa rotina
de cuidados.
Para saber mais sobre essa história de cuidados com amor, clique aqui.
A você, os meus agradecimentos.
Deus esteja com você!
Sônia Ferreira
Teresina, 07 de maio de 2021.
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