Neste conteúdo, relato a evolução dos transtornos em minha mãe. Ações repetitivas
entre louvores e orações revelando a sua religiosidade. Veja! |
TRANSTORNOS COM AÇÕES REPETITIVAS
SERIA ALZHEIMER?
INTRODUÇÃO
Minha mãe estava
com oitenta e nove anos quando começamos a observar ações repetitivas em seu
comportamento. Estava depressiva quando começou a se comportar de forma estranha
em suas ações habituais. Começamos a observar suas mudanças ao se levantar pela
manhã, ao se preparar para dormir à noite, ao terminar o seu café da manhã, e
durante todo o dia ao permanecer sentada na sua cadeira de descanso. Em todos
esses momentos ela já não era a mesma. Inclusive, à medida que evoluíam as
alterações aumentava a recusa alimentar. Caso queira saber como ocorriam esses transtornos que só depois saberíamos se tratar do Alzheimer se instalando clique aqui.
Neste conteúdo, veremos
a continuidade dessas alterações noutras ações comuns de minha mãe: suas
práticas religiosas. Ela era muito católica e de muita fé. Sempre o
fora. Talvez por isso, os transtornos tenham evoluído também no âmbito da sua
religiosidade. Era bastante dada a leituras associadas à sua fé. Por isso,
carreado na leitura da Bíblia seguia um universo de orações, santas e santos
aos quais e às quais se devotava. Eram então
próprios de seu mundo os temas relativos ao Sagrado.
Ela sempre fazia orações ao acordar, depois das refeições e à noite antes de dormir. Mas as orações da manhã se tornaram cada vez mais prolongadas. E suas leituras bíblicas se estendiam cada vez mais num tempo cada vez maior. É sobre essas novas alterações no comportamento de minha mãe a que se refere este conteúdo. Meus relatos da forma como se manifestaram e a minha pouca ação frente a questões originalmente tão desconhecidas para mim.
AÇÕES REPETITIVAS ENTRE ORAÇÕES E LOUVORES
Como disse na seção anterior, minha mãe era muito católica. Esse fato tornava nossa
casa cheia de imagens de santos e santas distribuídos e distribuídas nas
paredes das salas. No quarto dela, um altar com muitas imagens. Era hábito seu concluir suas orações da manhã
junto às imagens dos santos no altar de seu quarto e nas paredes da sala. Em
frente às imagens se benzia e as louvava, sempre na mais profunda contrição. Foi
nesse cenário que se manifestaram novas alterações em seu comportamento. Não
pelos santos e santas, mas pelo transtorno que a acometia e que a levava a
ações repetitivas.
O que eu via então como certo e natural em suas
orações, passei a estranhar e até vê como problema quando passaram a ser mais
demoradas, mais excessivas. Se antes era apenas tocar a imagem, louvar e logo
sair, passou a ser um deter-se nela por longos minutos. Elevava as mãos em
louvores e seus lábios em constante movimento como a rezar sucessivamente. Assim
seguia de imagem a imagem de uma parede a outra.
Os dias passavam e parecia que ela já
não fazia as orações. Não como outrora. Mas mantinha a peregrinação junto às
imagens. Essa ação se tornava igualmente repetitiva, cada vez mais prolongada e
seguida de outra: o caminhar descalça por toda a casa parando nas portas e
janelas. Nesses lugares, permanecia igualmente por longo tempo com as mãos erguidas em gestos de louvor e oração. Não parava de balbuciar
palavras que, embora inaudíveis, sugeriam sintonia com suas orações. Nesses
momentos, não aceitava ser interrompida. Mas concluída aquela ação, seu
humor permanecia alterado. Seu semblante continuava rígido. Não aceitava
comunicação alguma e rejeitava com agressividade qualquer sugestão que a
contrariasse.
O silêncio parecia sua única necessidade. Tanto que ao permanecer em seu descanso era no mais absoluto silêncio e não aceitava barulhos por mais leves que fossem. O uso de calçados dentro de casa era uma ofensa grave para ela. O ruído de conversas, uma agressão a seus ouvidos. Era como se a casa fosse um ambiente sagrado, que nada o poderia imolar. No controle de sons e ruídos, eu e minha irmã chegamos a nos comunicar por gestos; minha irmã, a andar descalça. Tudo para não a contrariar e não a aborrecer ainda mais. Eu resisti a tirar os calçados, mas tive que enfrentar sistematicamente a dureza de seu olhar e sua repreensão sempre que eu chegava até ela ou simplesmente passava de largo.
A LEITURA BÍBLICA QUE NÃO TERMINAVA
Era hábito de minha mãe depois do café da manhã assistir programas
religiosas na televisão e depois lê livros com textos bíblicos. Geralmente, textos
com relatos e ilustrações sobre a vida de Jesus. Era comum vê-la nessa leitura
em determinadas horas da manhã.
Naquele dia, sua leitura me chamou atenção. Observei que ela folheava demais o livro como
se procurasse algo entre as páginas. Era o livro sobre a vida de Jesus do qual
muito ela gostava. Mas não parecia se fixar à leitura de nenhuma das páginas.
Então tentei ajudá-la. Ela recusou minha ajuda dizendo que tinha que ser
daquele jeito. Percebi um certo jeito aborrecido de me falar. O jeito que eu já
vira noutras ações dela. Então entendi que ela estava sob o mesmo transtorno
que a levava a arrumar incessantemente o lençol sobre a cama e sobre o seu
próprio corpo.
Então
passei a acompanhar de longe aquela ação que se prolongou até pelo meio da
tarde. Só então a consegui tirar daquela cadeira, daquele folhear sem fim. Não
porque eu tivesse conseguido por meus próprios meios. Mas porque o transtorno a
libertara. Era assim que eu via. Então ela retomou a consciência de si por
aquele resto de dia. Então pode se alimentar, o que não o fazia sob transtorno.
No
dia seguinte, aquela ação se repetiu. Novamente estava ela na mesma cadeira com
a Bíblia sobre as pernas numa folheação ininterrupta. Passava página a página
indo e voltando sucessivas vezes. Só o silêncio a acompanhava naquele folhear. Não
aceitava minha intervenção. Afirmava que tinha que ser daquele jeito e que eu
não sabia. A forma como falava sugeria que se tratava de alguma promessa que
ela teria que cumprir. Por isso “tem que ser assim” como ela dizia. Nessa hora
fixava o olhar em mim e falava com tanta convicção que me fazia duvidar de
minha intervenção. Então eu recuava e guardava o meu estranhamento.
A noite daquele dia já avançava muito sem que eu conseguisse tirá-la da sua ação. Já passava da hora de dormir e ela no seu folhear a Bíblia. Deitada numa rede ao lado da poltrona onde ela estava, adormeci sem me dá conta. Ao acordar a altas horas da noite, ela havia adormecido. Seu jeito descomposto e a Bíblia largada em sua mão revelavam que o sono a vencera e a tirara daquela ação repetitiva à sua revelia. Só então a levei para a cama e a acomodei. Ela havia passado aquele dia apenas com o café da manhã. A situação se agravava. Foi então que busquei ajuda.
Orientada
por uma psicóloga, procurei um psiquiatra que me alertou para a possibilidade
do Alzheimer. Poderia ser o Alzheimer se instalando nela, sugeriu ele. Mas fui também a um padre, pois a questão religiosa embutida em
suas ações tinha um quê de sagrado tão forte que me imobilizava. Era o que mais
me intrigava nas ações dela, a que mais me deixava sem respostas. Eu realmente ficava com medo de intervir em ritos tão caros a ela e tão incompreensíveis a mim.
Eu
não era de religião, apesar de nascida e crescida sob a orientação católica. Mas respeitava a religiosidade dela. Sabia de suas
crenças e de seus apegos. Nas recusas às nossas
intervenções, ela dizia que pagava promessa e que a ação tinha que ser daquela
forma. Isso nos freava sobremaneira, a mim e à minha irmã, com quem dividia os
cuidados. Estávamos diante de questões incompreensíveis para nós. Vai que numa
possível intervenção, nós a fazíamos “quebrar” a sua promessa? O seu sagrado?
Junto ao padre eu buscava compreender aquele
comportamento no aspecto religioso. Mas ele sugeriu que se eu o quisesse
compreender teria que entrar no mundo dela, vivenciar aquela realidade. Então encerrei
o assunto por acreditar que seria percorrer um caminho longo demais para algo
que exigia pressa. Então procurei um geriatra e lhe relatei a situação. De posse das informações,
prescreveu uma medicação indicada para Alzheimer.
No
entanto, não conseguimos administrar a medicação. Naquele dia, ela não mais aceitou nenhum alimento. Parecia em surto. Nesse estado, ela caiu. Então recorremos à urgência hospitalar. Ao retornar
medicada do hospital, estava controlada e assim retomamos os cuidados com ela. Foi
então que vi sentido na sugestão do padre, pois logo percebi que os cuidados
com ela exigiam mais do que o puramente racional, mais do que o saber da lógica
humana. Era preciso percorrer os caminhos de Deus. Assim foi.
CONCLUINDO...
A
religiosidade de minha mãe foi um dos aspectos mais marcantes na evolução dos
transtornos que a acometiam. Em todos os momentos, era o mundo do eterno ou dos
santos que parecia ser mais significativo para ela. Inclusive, o mundo ao qual
ela recorria e buscava apoio quando perdia suas referências; quando entrou em
surto e nos deixou atônitas e meio sem rumo.
Parecíamos
tão desorientadas quanto ela, pelas próprias circunstâncias de vê-la naquele estado
quanto pelas respostas que tínhamos que buscar e as decisões a tomar. Ainda bem
que Deus estava com ela e a fez cair sem agravos. Bendita queda! Pois foi a
partir dela que as coisas tomaram o rumo adequado. Foi a partir dela que encontramos
o nosso rumo.
Caso queira saber mais sobre essa história de cuidados com amor, veja o próximo conteúdo. Aguarde!
A você, meus agradecimentos
Deus
esteja com você!
Sônia
Ferreira
Teresina, 21
de maio de 2021.
Você terminou de conhecer
mais um conteúdo do Caminho Cuidados com Amor.
Espero que tenha gostado e acompanhe os conteúdos
da sequência.
Felina Marruá: a guia dos conteúdos do caminho Cuidados com Amor do blog A Doideragem. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário