sexta-feira, 21 de maio de 2021

Transtornos com ações repetitivas: seria Alzheimer?

 

Imagem com a gata Felina apresentando o conteúdo “Transtornos com ações repetitivas: seria Alzheimer?”
Neste conteúdo, relato a evolução dos transtornos em minha mãe. Ações repetitivas
entre louvores e orações revelando a sua religiosidade. Veja!


TRANSTORNOS COM AÇÕES REPETITIVAS

SERIA ALZHEIMER?

 

INTRODUÇÃO

Minha mãe estava com oitenta e nove anos quando começamos a observar ações repetitivas em seu comportamento. Estava depressiva quando começou a se comportar de forma estranha em suas ações habituais. Começamos a observar suas mudanças ao se levantar pela manhã, ao se preparar para dormir à noite, ao terminar o seu café da manhã, e durante todo o dia ao permanecer sentada na sua cadeira de descanso. Em todos esses momentos ela já não era a mesma. Inclusive, à medida que evoluíam as alterações aumentava a recusa alimentar. Caso queira saber como ocorriam esses transtornos que só depois saberíamos se tratar do Alzheimer se instalando clique aqui.

Neste conteúdo, veremos a continuidade dessas alterações noutras ações comuns de minha mãe: suas práticas religiosas. Ela era muito católica e de muita fé. Sempre o fora. Talvez por isso, os transtornos tenham evoluído também no âmbito da sua religiosidade. Era bastante dada a leituras associadas à sua fé. Por isso, carreado na leitura da Bíblia seguia um universo de orações, santas e santos aos quais e às quais se devotava.  Eram então próprios de seu mundo os temas relativos ao Sagrado.

Ela sempre fazia orações ao acordar, depois das refeições e à noite antes de dormir. Mas as orações da manhã se tornaram cada vez mais prolongadas. E suas leituras bíblicas se estendiam cada vez mais num tempo cada vez maior.  É sobre essas novas alterações no comportamento de minha mãe a que se refere este conteúdo. Meus relatos da forma como se manifestaram e a minha pouca ação frente a questões originalmente tão desconhecidas para mim. 

AÇÕES REPETITIVAS ENTRE ORAÇÕES E LOUVORES

Como disse na seção anterior, minha mãe era muito católica. Esse fato tornava nossa casa cheia de imagens de santos e santas distribuídos e distribuídas nas paredes das salas. No quarto dela, um altar com muitas imagens. Era hábito seu concluir suas orações da manhã junto às imagens dos santos no altar de seu quarto e nas paredes da sala. Em frente às imagens se benzia e as louvava, sempre na mais profunda contrição. Foi nesse cenário que se manifestaram novas alterações em seu comportamento. Não pelos santos e santas, mas pelo transtorno que a acometia e que a levava a ações repetitivas.

O que eu via então como certo e natural em suas orações, passei a estranhar e até vê como problema quando passaram a ser mais demoradas, mais excessivas. Se antes era apenas tocar a imagem, louvar e logo sair, passou a ser um deter-se nela por longos minutos. Elevava as mãos em louvores e seus lábios em constante movimento como a rezar sucessivamente. Assim seguia de imagem a imagem de uma parede a outra.

Os dias passavam e parecia que ela já não fazia as orações. Não como outrora. Mas mantinha a peregrinação junto às imagens. Essa ação se tornava igualmente repetitiva, cada vez mais prolongada e seguida de outra: o caminhar descalça por toda a casa parando nas portas e janelas. Nesses lugares, permanecia igualmente por longo tempo com as mãos erguidas em gestos de louvor e oração. Não parava de balbuciar palavras que, embora inaudíveis, sugeriam sintonia com suas orações. Nesses momentos, não aceitava ser interrompida. Mas concluída aquela ação, seu humor permanecia alterado. Seu semblante continuava rígido. Não aceitava comunicação alguma e rejeitava com agressividade qualquer sugestão que a contrariasse.

O silêncio parecia sua única necessidade. Tanto que ao permanecer em seu descanso era no mais absoluto silêncio e não aceitava barulhos por mais leves que fossem. O uso de calçados dentro de casa era uma ofensa grave para ela. O ruído de conversas, uma agressão a seus ouvidos. Era como se a casa fosse um ambiente sagrado, que nada o poderia imolar. No controle de sons e ruídos, eu e minha irmã chegamos a nos comunicar por gestos; minha irmã, a andar descalça. Tudo para não a contrariar e não a aborrecer ainda mais. Eu resisti a tirar os calçados, mas tive que enfrentar sistematicamente a dureza de seu olhar e sua repreensão sempre que eu chegava até ela ou simplesmente passava de largo.  

A LEITURA BÍBLICA QUE NÃO TERMINAVA

Era hábito de minha mãe depois do café da manhã assistir programas religiosas na televisão e depois lê livros com textos bíblicos. Geralmente, textos com relatos e ilustrações sobre a vida de Jesus. Era comum vê-la nessa leitura em determinadas horas da manhã. 

Naquele dia, sua leitura me chamou atenção.  Observei que ela folheava demais o livro como se procurasse algo entre as páginas. Era o livro sobre a vida de Jesus do qual muito ela gostava. Mas não parecia se fixar à leitura de nenhuma das páginas. Então tentei ajudá-la. Ela recusou minha ajuda dizendo que tinha que ser daquele jeito. Percebi um certo jeito aborrecido de me falar. O jeito que eu já vira noutras ações dela. Então entendi que ela estava sob o mesmo transtorno que a levava a arrumar incessantemente o lençol sobre a cama e sobre o seu próprio corpo. 

Então passei a acompanhar de longe aquela ação que se prolongou até pelo meio da tarde. Só então a consegui tirar daquela cadeira, daquele folhear sem fim. Não porque eu tivesse conseguido por meus próprios meios. Mas porque o transtorno a libertara. Era assim que eu via. Então ela retomou a consciência de si por aquele resto de dia. Então pode se alimentar, o que não o fazia sob transtorno.

No dia seguinte, aquela ação se repetiu. Novamente estava ela na mesma cadeira com a Bíblia sobre as pernas numa folheação ininterrupta. Passava página a página indo e voltando sucessivas vezes. Só o silêncio a acompanhava naquele folhear. Não aceitava minha intervenção. Afirmava que tinha que ser daquele jeito e que eu não sabia. A forma como falava sugeria que se tratava de alguma promessa que ela teria que cumprir. Por isso “tem que ser assim” como ela dizia. Nessa hora fixava o olhar em mim e falava com tanta convicção que me fazia duvidar de minha intervenção. Então eu recuava e guardava o meu estranhamento.

A noite daquele dia já avançava muito sem que eu conseguisse tirá-la da sua ação. Já passava da hora de dormir e ela no seu folhear a Bíblia.  Deitada numa rede ao lado da poltrona onde ela estava, adormeci sem me dá conta. Ao acordar a altas horas da noite, ela havia adormecido. Seu jeito descomposto e a Bíblia largada em sua mão revelavam que o sono a vencera e a tirara daquela ação repetitiva à sua revelia. Só então a levei para a cama e a acomodei. Ela havia passado aquele dia apenas com o café da manhã. A situação se agravava. Foi então que busquei ajuda. 

Orientada por uma psicóloga, procurei um psiquiatra que me alertou para a possibilidade do Alzheimer. Poderia ser o Alzheimer se instalando nela, sugeriu ele. Mas fui também a um padre, pois a questão religiosa embutida em suas ações tinha um quê de sagrado tão forte que me imobilizava. Era o que mais me intrigava nas ações dela, a que mais me deixava sem respostas. Eu realmente ficava com medo de intervir em ritos tão caros a ela e tão incompreensíveis a mim.

Eu não era de religião, apesar de nascida e crescida sob a orientação católica. Mas respeitava a religiosidade dela. Sabia de suas crenças e de seus apegos.  Nas recusas às nossas intervenções, ela dizia que pagava promessa e que a ação tinha que ser daquela forma. Isso nos freava sobremaneira, a mim e à minha irmã, com quem dividia os cuidados. Estávamos diante de questões incompreensíveis para nós. Vai que numa possível intervenção, nós a fazíamos “quebrar” a sua promessa? O seu sagrado?

 Junto ao padre eu buscava compreender aquele comportamento no aspecto religioso. Mas ele sugeriu que se eu o quisesse compreender teria que entrar no mundo dela, vivenciar aquela realidade. Então encerrei o assunto por acreditar que seria percorrer um caminho longo demais para algo que exigia pressa. Então procurei um geriatra e lhe relatei a situação. De posse das informações, prescreveu uma medicação indicada para Alzheimer.

No entanto, não conseguimos administrar a medicação. Naquele dia, ela não mais aceitou nenhum alimento. Parecia em surto. Nesse estado, ela caiu. Então recorremos à urgência hospitalar. Ao retornar medicada do hospital, estava controlada e assim retomamos os cuidados com ela. Foi então que vi sentido na sugestão do padre, pois logo percebi que os cuidados com ela exigiam mais do que o puramente racional, mais do que o saber da lógica humana. Era preciso percorrer os caminhos de Deus. Assim foi.

CONCLUINDO...

A religiosidade de minha mãe foi um dos aspectos mais marcantes na evolução dos transtornos que a acometiam. Em todos os momentos, era o mundo do eterno ou dos santos que parecia ser mais significativo para ela. Inclusive, o mundo ao qual ela recorria e buscava apoio quando perdia suas referências; quando entrou em surto e nos deixou atônitas e meio sem rumo.

Parecíamos tão desorientadas quanto ela, pelas próprias circunstâncias de vê-la naquele estado quanto pelas respostas que tínhamos que buscar e as decisões a tomar. Ainda bem que Deus estava com ela e a fez cair sem agravos. Bendita queda! Pois foi a partir dela que as coisas tomaram o rumo adequado. Foi a partir dela que encontramos o nosso rumo.

Caso queira saber mais sobre essa história de cuidados com amor, veja o próximo conteúdo. Aguarde! 

A você, meus agradecimentos

Deus esteja com você!

Sônia Ferreira

Teresina, 21 de maio de 2021.

Você terminou de conhecer mais um conteúdo do Caminho Cuidados com Amor.

Espero que tenha gostado e acompanhe os conteúdos da sequência.


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