Esta é mais uma história de gatos para nós que
gostamos de gatos. Dessa vez é a história do Picasso. Mais um gatinho companheiro que um dia me revelou seu lado pai. Conheça! |
PICASSO, O GATINHO COMPANHEIRO
PICASSO E LINDA MENINA
Fazia um bom tempo que eu havia perdido Pocôto, nosso gatinho guardião. Sua
partida fizera meu coração se revirar na dor. Assim como a despedida de Pocota
um ano antes da dele. Foram duas dores que me fizeram prometer a mim mesma não
mais querer saber dessas criaturinhas tão boas de se ter. Tão boas de se
afagar, de se brincar e de se alegrar. E de prender os nossos olhos por horas a
fio como se não houvesse mais nada para se vê no mundo. Mas também tão boas de deixar
nossos sentimentos tão pesarosos quando se vão. Tanto quanto estavam os meus.
Mas então chegou 2013 e eis que a partir daí me vi novamente às voltas
com cães e gatos. Novas histórias recomeçadas com Picasso. Um gato púbere que
adentrara a nossa casa furtivamente numa certa noite à primeira hora. Estávamos naquele jogando conversa fora
quando ele chegou de mansinho. Tão de mansinho que por mim teria adentrado a
casa à revelia de meus olhos. Só depois é que eu o viria lá dentro. Então lhe
mostraria o caminho de volta. A volta para a rua. De mansinho também. Só que na
mansidão de um raio. Manteria então a minha promessa de não mais querer saber de
peludos e peludinhas. Porque eram sempre tão fofinhos!...
Mas Picasso caiu primeiro nos olhos de minha irmã que o aceitou com graça
e simpatia. A despeito de mim que o queria ver pelas costas e correndo. Na
mansidão de um raio, como eu disse. Mas ela o acolhera com satisfação e
encantamento. Cheia de dengos e mimos. Apesar da minha vontade contrária. Mesmo
contrariada, não criei caso. Embora sabendo que ela não cuidaria dele. Logo
suas férias terminariam e ela retornaria para a sua cidade. Ainda assim
prevaleceu a vontade dela. Picasso ficaria conosco e teria seu abrigo
garantido. Eu não via razões suficientes para não o querer em nossa casa. Ela via.
Mas o meu não querer foi de vida muito curta. Não demorei muito a cair
nas graças de Picasso. Afinal, sou conquista fácil aos olhos de um gato. Tanto quanto aos de uma gata. Então com ele não foi diferente. Sua meiguice e
companheirismo me encantavam. Era meigo por demais e logo se instalou em meu
coração.
Picasso ganhou então não apenas um lugar em nossa casa. Ele se tornou a
atração principal. A presença dele estava por todos os lugares. Pelos quatro
cantos da casa, como dizia minha mãe. Igualmente encantada com ele. Ela ganhava
outra companhia sempre a seu lado. Ele parecia sentir essa necessidade dela.
Então sempre dava um jeito de estar com ela. Dormindo, principalmente. Mas ao
seu lado.
Mas a tranquilidade de Picasso logo foi abalada com a chegada de Linda
Menina. Uma linda cachorrinha vira-lata que por força das circunstâncias também
conseguiu abrigo em nossa casa. As circunstâncias de não ter encontrado alguém
que a adotasse. De ter nascido fêmea e vira-lata sem caracteres de raça
prestigiada aos olhos de adotantes. De ter nascido no quintal da nossa casa por
eu ter abrigado sua mãe dona Bela e seus filhotes logo que nasceram. Dona Bela
era uma linda felina de rua que escolhera as escavações de uma construção para
trazer ao mundo os seus filhotes. Seis criaturinhas lindas! Coisas mais fofas
de se vê como aquelas há muito não aparecia na minha redondeza. Linda Menina
fora a única não adotada. Quis a sorte dela que ela ficasse em nossa casa.
Assim foi.
Linda Menina tirava o sossego de Picasso. Ele já não
conseguia o seu cantinho com a tranquilidade de antes. Tornou-se um
perseguido dentro de casa e pelo quintal afora. Tornara-se a atração principal
de Linda Menina, que o procurava por todos os cantos ao sentir sua falta. Onde estava Picasso, lá estava Linda Menina latindo. Queria saber dele só para latir. No seu entorno ou na sua perseguição. Era
comum vê-lo adentrar a casa todo espavorido e logo subir seja no que fosse. No
seu encalço, Linda Menina. Afoita! Os latidos dela com Picasso se tornavam cada
vez mais insustentáveis. Não apenas para ele. Coitado! Também para nós de ouvidos tão humanos. A simples presença de Picasso em quaisquer lugares onde estivesse era
motivo daqueles latidos intermináveis e perturbadores.
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Gatinho Picasso e Cachorrinha Linda Menina: entre os latidos de uma e o desassossego do outro |
Mas com o passar do tempo, Picasso parecia ter se acostumado com
Linda Menina. Aprendera a se esconder e a fugir do seu alcance. Até sem lhe
revidar de algum modo. Aprendera a viver nas alturas entre móveis na sala e
galhos no quintal. Acomodado em algum
lugar, já não se incomodava com a presença dela nem com seus latidos. Aprendera
os seus hábitos, inclusive os horários de suas sonecas, quando a quietude lhe
dominava. Afinal, ela também dormia e descansava. Em tais horários, ele
aproveitava a liberdade do seu ir e vir. Então eu o via em algumas voltinhas,
inclusive numas olhadinhas furtivas em Linda Menina em sua soneca. De longe,
com o pescoço espichado.
Mas esses eram apenas um momento entre uma latida e
outra. Entre o sossego e a perturbação da ordem que já nos incomodava por
demais. Linda Menina não dava trégua com seus latidos. Violava demais as regras
do nosso desejo de silêncio. Era imperativo então que eu resolvesse a situação.
Não tanto por Picasso, pois ela já não atentava contra a segurança dele. Mas
por nossos tímpanos cada vez mais desenquadrados. Então não houve
outro jeito senão tirar Picasso das vistas de Linda Menina.
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Linda Menina: isolada do convívio dentro de casa por latir demais. |
Ela foi enclausurada nos entremuros do ar livre. Isolada do nosso convívio dentro de casa. Passou então a viver a maior parte do tempo presa a uma corrente lá num reservado do quintal. Lá fora. Com isso, a ordem se restabeleceu. Picasso pode retomar a sua vida com a tranquilidade requerida. Nossos ouvidos voltaram a ouvir o grito do silêncio. Era a paz retomando o seu lugar em nossa casa.
PICASSO E SMILY
Picasso não era castrado. Talvez por isso fosse um andarilho nas horas
que ele sabia. Sempre dava umas voltinhas quando caía a noite. Mas nas manhãs e
à tarde não nos fazia falta. Era sempre presença garantida junto a minha mãe. Também
junto a mim. Com ela, era seu companheiro nas sonecas. O melhor lugar para
dormir era próximo a ela. Ao lado dos seus assentos de descanso e até em seu
colo.
Comigo ele era a minha perturbação mais sublime. A mais satisfeita desordem de minhas coisas à minha volta.
Tornava minha mesa de estudos menos árida. Meu peito se abria em sorrisos
quando ele chegava cheirando, mexendo e remexendo as coisas sobre a mesa. Sempre
encontrava algo para colocar no seu devido lugar. Mas entre um cheiro e outro,
um mexe aqui e acolá, o que ele buscava mesmo era um lugar para se acomodar e
quem saber tirar a soneca que ele sabia tão bem. Seu jeito meigo de ser me
desarmava sempre que eu o tentava tirar daquelas perturbações que tanto me
aquietavam. Então eu mesma o acomodava de alguma forma.
Assim os dias se passavam em nossa casa. Com Picasso e suas meiguices
entre minhas tarefas da casa, uma leitura e outra e a atenção com minha
mãe. Até que certo dia ele me surpreendeu com um comportamento bastante
inusitado para mim. Aliás, para um gato. Um jeito felino que eu não conhecia. Mas também! O que eu tanto conhecia de gato?! Ele
convidando uma gatinha para se alimentar no pratinho dele.
Naquele dia, a noite acabara de cair. Minha mãe em frente à televisão
como sempre. Eu numa mesa ao lado entre leituras e escritas no computador. Como sempre! De
lá vi Picasso adentrando a sala e rumando direto para seu pratinho de ração na
sala ao lado. Mas observei estranhamente que ele não comia. Seu interesse estava
para além da porta por onde ele havia entrado e se podia ver o lá fora. Foi o
que me chamou atenção. Ele alternava o olhar insistentemente entre o lá fora e
o pratinho de ração. Então em vez de comer ele saiu, mas logo voltou e novamente
se postou no prato de ração. Mas novamente o seu olhar indo e voltando, entre o
lá fora e o alimento. Saiu novamente.
Intrigada com aquele comportamento, resolvi sair no seu encalço. O que
ele tanto via lá fora? Parei na porta e ali mesmo entendi a razão. Um pouco
mais adiante próximo ao portão Picasso “conversava” com uma gatinha de cores
iguais às suas: preto e branco. Seria sua filha? Apostei que sim. Então não foi
difícil entender que ele a convidava para jantar. Também entender que há gatos
que se preocupam com sua prole. Há gatos que sabem o que é ser pai. Picasso com certeza era um desses. O pai felino
agindo na proteção da filha. Oferecendo o seu próprio alimento para lhe aplacar
a fome. A essa altura a minha imaginação já corria solta nas alturas. Ele
convidando a filhota: “vamos, lá em casa tem comida”. Uma tentativa de livrar a
filha do sofrimento das ruas. Mais ainda: de lhe dá uma vida melhor.
Aquela cena realmente me comovia. Mas apesar do sentimentalismo que ela
me despertava, não era de meu interesse acomodar mais um gato em casa. Picasso
já ocupava o único lugar disponível. Sem contar que era espaçoso por demais.
Então logo cuidei de me livrar da intrusa. E nem foi difícil. Bastaram umas
duas passadas além da porta para logo a bichana sair correndo e ganhar a
calçada vizinha. Picasso saiu no seu encalço. Lógico! Afinal, qual o pai que não
vai atrás da filha ao vê-la fugindo sem proteção? Ainda mais sabendo que ela
está com fome? Se ele não tivesse ido, eu mesma lhe teria passado um corretivo.
Mas eu estava apenas enganada se acreditava que a situação havia se
resolvido na carreira da bichana. Pouco tempo depois, eis que Picasso retornou
com a dita cuja e prosseguiu na mesma tentativa de fazê-la abocanhar a ração
dele. Da mesa onde eu estava, eu a observava se aproximando da porta, sem
dúvida com muita vontade de entrar; mas minha presença a inibia. Picasso não se
continha na inquietação. Entrava e saía. Ia ao seu encontro na tentativa de
convencê-la. Então resolvi ajudá-lo. Saí da sala para permitir a entrada da
filhota.
Nos dias que se seguiram, aquela cena se repetiu de forma muito
semelhante. Picasso chegava sempre acompanhado da pequena filhota. Ao cair da
noite eu os via rondando por ali. Lá fora. Eu já reservava para ela um punhado de ração. Também lá fora. Não a permitia dentro de casa. Talvez fosse uma dor para ele saber que
eu não a queria.
Mas a pequena filhota de Picasso demonstrou muita perseverança no seu afã
de permanecer em nossa casa. E terminou ficando. Mas até se instalar de vez,
foi muito sofrimento. Coitada! O desfecho dessa história você poderá acompanhar
no conteúdo “Smily, minha gatinha mais que sapeca!”. Em breve! Por enquanto, veja
como foram os últimos dias de Picasso.
O ADEUS DE PICASSO
Picasso estava feliz na companhia de sua filhota em casa. Talvez pela
primeira vez tivesse uma companheira com quem pudesse brincar. Brincar como
brincam os gatos e as gatas. Com mordidas e agarras-agarras, corridas e quedas
entre quatro patas e rolagens pelo chão. Talvez jamais tivesse experimentado brincadeiras tão prazerosas como aquelas. Certamente sensações tão boas para felinos e felinas. Não pelo tempo
em que estivera em nossa casa. Um tempo não tão longo assim. Coisa de um ano e
meio mais ou menos.
Certo dia, constatamos com
tristeza a brevidade de sua vida. Naquela manhã, ele não cobrou sua ração
matinal. Ele era sempre o primeiro a ser servido. Antes mesmo de eu iniciar os
cuidados diários com a minha mãe. Servi-lo sempre antes era uma forma de o
manter afastado durante as refeições dela. Mas naquela manhã ele não veio até
mim. Apesar de ter dormido dentro de casa. Mas numa procura rápida logo o encontrei. Seu
corpinho estendido no banheiro. Sem um sinal de vida sequer. Para minha
surpresa e tristeza maior. Ele havia nos dito adeus no silêncio daquela noite.
Picasso parecia bastante saudável. Mas nos últimos meses seu
comportamento revelara que nem tudo estava bem com ele. Eu já o havia visto
algumas vezes numa posição incomum. Agachado demoradamente se espremendo como
se estivesse constipado. Eu supunha dificuldade de urinar ou defecar. Mas sempre em lugares não habituais. Ao observar, um líquido meio espesso. Mas era
algo que se manifestava em determinados períodos e passava. Então eu o
associava também a seu cio. Apesar daquelas manifestações, ele se alimentava
bem e não revelava outros agravos. Então eu não imaginava que fosse tão sério.
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Gatinho Picasso pedindo o socorro que eu não soube ouvir. |
Ele estava num desses momentos. No dia anterior eu o havia visto naquela posição. Mas como parecia saudável, não atribuí gravidade alguma à situação. Por essa razão sua morte repentina me causara tanta surpresa. Mas foi inevitável a culpa por não lhe ter dispensado a atenção devida. A perda de um ente querido é sempre muito dolorida. Mesmo em se tratando de um gato. Mais ainda quando acompanhada de um sentimento de negligência. Foi essa a dor que Picasso me ensinou a sentir naquele momento. Por toda a sua vida.
Mas ele havia preparado a sua despedida. Já nos havia dado a sua filhota. Providenciara o nosso consolo uns três meses antes.
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Smily e Picasso: gata-filha e gato-pai no parentesco felino |
Smily era o seu nome. Smily Smilinguida da Silva Picasso. A gatinha que naquela noite chegou à nossa casa na companhia dele, como visto na seção anterior e cuja história será contada oportunamente.
Inclusive, convido você a continuar acompanhando as histórias que trarei.
Se você leu até aqui é porque gosta de história de gatos. E se gosta é porque
os ama. Como eu. Então você está no lugar certo. Tenho muitas histórias para
contar. Será que é por que eu tenho muitos gatos? Com certeza. E já tive muito mais.
E cada um com sua história. Cada qual mais interessante do que a outra. Você
terá a oportunidade de conferir. É só continuar neste caminho Minha Família
Bichanada. Obrigada, por sua atenção! Deixe o seu comentário. Terei o maior
prazer em dialogar com você. Diálogos felinos. Até o próximo conteúdo.
A você, meus agradecimentos!
Deus esteja com você!
Sônia Ferreira
Teresina, 13 de agosto de 2021.
Você terminou de conhecer o quarto conteúdo do caminho Minha Família
Bichanada.
Mais uma história do tipo história de cães e gatos.
Espero
que tenha gostado e acompanhe os conteúdos da sequência.
Convite Siga Nós! Com Maria Atena, a gatinha-guia dos conteúdos deste caminho Minha Família Bichanada. |
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