ERA O ALZHEIMER EM MINHA MÃE
DAS AÇÕES REPETITIVAS AO SURTO PSICÓTICO
INTRODUÇÃO
O comportamento de minha mãe estava alterado há mais de um mês. O que
havia se iniciado com ações repetitivas em meio a um quadro depressivo continuava
avançando de forma mais acentuada. No início, os transtornos ocorriam pela manhã
e à noite. Mas por se prolongarem cada vez mais, já tomavam quase o dia todo.
Devido à ausência de lucidez por longo tempo, sua higiene e alimentação
estava cada vez mais fora de hora. Foi quando consultamos um geriatra. Embora diagnosticada
com Alzheimer, não conseguíamos administrar a medicação devido à sua recusa a
qualquer alimento, a qualquer intervenção nossa.
A cada dia parecia que a doença avançava um pouco mais. Naquela manhã ela estava bastante desorientada. Parecia ter perdido as referências e falava coisas incompreensíveis para nós, eu e minha irmã, que apenas a assistíamos a pouca distância. Esse é o relato deste conteúdo. Descrevo a angústia de minha mãe ao perceber sua vida perdendo significados e não compreender a razão daquilo tudo que lhe acometia.
O ALZHEIMER EM MEIO A ANGÚSTIA E SOFRIMENTO
Oh, meu Deus!... Oh, meu Pai Eterno!... Oh, minha Nossa
Senhora!... Exclamações como essas se tornaram bastante frequentes na fala de
minha mãe frente aos primeiros sinais do Alzheimer. Era a sua lucidez, a sua
consciência da gravidade de um problema que ela não entendia. Nem nós que a
acompanhávamos de perto.
Mas também era a sua angústia, sofrimento e desconforto diante da
desaprendizagem de ações tão corriqueiras que ela não mais dava conta. Afazeres
de todos os dias, como o se levantar da cama, da cadeira, o trocar de roupa.
Nada disso ela sabia mais. Eram ações que se tornaram grandes demais para ela
porque já não sabia como fazer. Havia desaprendido muita coisa.
Naquele momento apenas percebíamos que a vida perdia
significados para ela. Tudo parecia fora de lugar na vida dela. Às vezes, seu
olhar vagante e inquisidor nos mostrava sua mente repleta de vazios, o que a
deixava sem rumo e sem saber o que fazer e o que dizer. O silêncio a dominava.
Noutras vezes, sua fala se exaltava entre balbucios e frases entrecortadas. Era
como se tateasse num emaranhado de cenas confusas, intermitentes. Cenas que
pareciam revelar uma realidade outra pronta a se manifestar, mas sem um lugar
próprio que lhe desse forma.
Entre o seu silêncio e a sua voz titubeante, o que saltava aos
nossos olhos era um mundo que parecia às vezes imaginário, enigmático, preso ao
passado; às vezes real, presente, muito oscilante inclusive. Seria esse o mundo
do Alzheimer? Fosse ou não, e em quaisquer dos casos, era para ela um mundo de
intensa religiosidade; por isso, os constantes evocares a Deus, Nossa Senhora,
nosso Senhor Jesus Cristo.
Mas um mundo que não se revelava por completo e que às vezes a
fazia demonstrar certa agressividade ao nos tentar explicar as razões de suas
ações tão incompreensíveis e perturbadoras para nós. Mas era um explicar com frases
inacabadas, mal formuladas, sem sentido, sempre acompanhadas de uma expressão
grave no rosto e no olhar.
Uma expressão que denotava a sua preocupação e busca de respostas ao problema que a acometia e que ela própria não compreendia. Mas evidenciava também resignação e desolação por não se fazer compreender. Então silenciava com um menear de boca e de cabeça e um olhar voltado para o chão frente ao seu desapontamento.
O ALZHEIMER ENTRE CONFUSÃO MENTAL E DESORIENTAÇÃO ESPACIAL
Suas explicações apenas reforçavam o que já nos era visível: a sua
confusão mental com certa desorientação espacial. Seu olhar vagante e
inquisidor para o teto, para as paredes e para o lá fora tentando reconhecer a
casa pelo olhar. Um olhar que se estendia do chão ao teto, de um lado a outro
da sala, percorrendo cantos, paredes e móveis com olhar interrogativo. Então
víamos que a casa se tornara estranha para ela. Tocava móveis e sobre eles
deslizava suas mãos como se os visse pela primeira vez. Olhava a área de suas
leituras bíblicas outrora tão comum nos finais da tarde como se a não
reconhecesse.
Toda a casa lhe parecia estranha. Tanto que às vezes quando a
conduzíamos de um lugar a outro, era comum ela perguntar um tanto
desconcertada: “E agora, para onde eu vou?...”. Afirmava assim a sua falta de
orientação e de saberes outrora tão familiares. A mesma desorientação
observávamos diante de outras situações também tão triviais do dia a dia, como o
passar de uma cadeira a outra, estando ambas lado a lado. Já não sabia passar
da cadeira de descanso para a cadeira ao lado onde comumente fazia suas
refeições. Um itinerário que se tornara desconhecido para ela.
Noutras vezes, exclamava: “oh, meu Deus, já não sei nem mais o que
estou fazendo...”. Então nos mostrava a sua lucidez, momentos que se tornavam cada
vez mais raros. Mas também momentos intensamente dolorosos para nós. Imaginemos
então para ela.
Apesar de sabermos se tratar do Alzheimer, eram situações cheias
de incógnitas para nós. As respostas se afirmavam, mas inicialmente não
satisfatórias devido a interpretações equivocadas dos sinais apresentados. Equivocadas
para nós que a acompanhávamos. O caso que conhecíamos não apresentava situações
como as que nossa mãe vivenciava.
Mas foi a busca de novas respostas que nos levou a uma compreensão
mais precisa naquele momento: era realmente o Alzheimer se instalando. Ainda em
fase inicial, mas já o suficiente para nos mostrar o quanto que a nossa mãe já
se distanciava da vida. Ao vê-la naquela situação, acreditei que a vida teria
acabado para ela. Eu não sabia o quanto que Deus estava conosco. E por sua
graça, logo ele me mostraria que eu estava errada.
Até aquele momento, ainda tínhamos muito o que aprender. Mas uma coisa eu já observava. A literatura a respeito da doença era bastante incipiente, restrita à descrição de sinais característicos. Sinais quase sempre associados à perda da memória relacionada a fatos, como se esse fato fosse o dano mais relevante da doença. Depois de ter vivenciado a doença no dia a dia de cuidados, vi que não.
CONCLUINDO...
Esse foi o início do período mais crítico do Alzheimer em minha mãe. No próximo conteúdo, relatarei momentos de extrema dor para ela e para nós antes que a conseguíssemos medicar. Os momentos de suas andanças que a levavam sempre para áreas externas da casa como se fosse a algum lugar, mas não sabia onde e parava aflita. Os momentos de suas angústias extremas que a faziam pedir a Nossa Senhora que a livrasse daquele desespero. A maior dor para mim. Imagine então para ela. Imagine!
Veja o conteúdo anterior: Transtornos com ações repetitivas: seria o Alzheimer?
A você, meus agradecimentos!
Deus esteja com você!
Sônia Ferreira
Teresina, 31 de julho de 2021.
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