LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS E DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM PERDA DO MANDATO
A “JUSTA CAUSA” QUE CONTRARIA O PRECEITO CONSTITUCIONAL DA ELEGIBILIDADE
A Constituição de 1988 estabelece em seu Art. 14, § 3º sete condições
para que um eleitor ou eleitora torne-se elegível em eleições partidárias. São
as condições de elegibilidade. Dentre estas, a filiação partidária. Tem-se,
pois, um preceito constitucional pelo qual somente pode concorrer a cargo
eletivo o eleitor e a eleitora filiada e filiado a partido político. Por esse
preceito, nenhum candidato ou candidata eleita ou eleito deveria permanecer sem
filiação partidária depois de eleito ou eleita.
No entanto, contraditoriamente, a
Lei nº 9.096/1996 dos Partidos Políticos contrapõe-se a esse preceito, pois além
de não cassar o mandato de eleitos e eleitas que se desfiliam do partido pelo
qual se elegeram, ainda permite que permaneçam sem partido indefinidamente. Essa
lei prescreve que “perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se
desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.” (BRASIL, 2015).[1]
Justa causa!?
Como se não se referisse a um absurdo, a referida lei ainda o define (§
Único, Incisos I a III), afirmando o que considera justa causa: “I – mudança
substancial ou desvio reiterado do programa partidário; II – grave
discriminação política pessoal; e III – mudança de partido efetuada durante o
período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para
concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato
vigente.” (BRASIL, 1915).[2]
Em vez da definição, a cassação do mandato deveria ser certa e imediata,
independentemente de quaisquer circunstâncias que motivassem a insatisfação do
eleito ou da eleita com o seu partido pelo simples fato da posteridade do ato. No
dia da eleição, tais circunstâncias não existiam. E o que viesse a existir,
certamente não alteraria a posição do eleito e da eleita nem do seu partido caso
estivessem amparados e amparada no princípio da coletividade, no ideal do Bem
Comum. Princípio esse que não muda ao sabor das circunstâncias.
Em vez disso, como visto, a lei atribui à perda do mandato apenas a
eleito ou eleita que se desfilia “sem justa causa” como se houvesse uma causa posterior
ao momento da eleição que justificasse a desfiliação. Nisto consiste o absurdo
porque em se tratando de desfiliação partidária essa causa não existe.
Tal inexistência decorre de pelo menos duas razões: uma, porque a
desfiliação depois de assegurado o mandato contraria o preceito constitucional
que requer a filiação como condição de elegibilidade; outra, porque o que a lei
considera justa causa coloca à disposição do eleito e da eleita uma justificativa
embasada sobretudo em critérios subjetivos dificilmente verificáveis. Senão
vejamos:
1)
O que seria “mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário”? O
enunciado sugere que o partido em mudando o programa partidário a pessoa eleita
poderia se desfiliar. Por outro lado, a pessoa em se desviando do programa o
partido poderia lhe cassar o mandato. Mas quais partidos dispõem de um programa
partidário que funcione na prática legislativa a ponto de a pessoa eleita se
desviar dele? Objetivamente, como seria avaliada essa mudança e esse desvio? Neste
caso, o que vemos não raras vezes são pessoas ligadas a uma sigla para por meio
dela alcançar votos. Nada além. Que me negue o que afirmo a tal “janela
partidária” proposta pela mesma lei que considera a “justa causa” e que permite
a desfiliação sem perda do mandato.
2)
Em relação à “grave discriminação política pessoal” quais seriam os critérios objetivos
que pudessem avaliar essa gravidade? A lei também não define o que seria “discriminação
política”. Então, como essa discriminação seria avaliada fora do ângulo de
visão da pessoa eleita? De qualquer forma, sugere que essa discriminação seria
no próprio partido. Então, em que condições a pessoa eleita se sentiria
discriminada politicamente em seu partido a tal ponto de se desfiliar? Somente
depois de eleita é que ela teria percebido a discriminação?
3)
Em relação à mudança de partido até trinta dias antes do prazo de filiação para
concorrer às eleições, é a constatação de que a própria lei possibilita essa
mudança sem perda de mandato. Logo, não existe “justa causa” que leve os eleitos
e as eleitas perderem o mandato ao se desfiliarem do partido pelo qual se
elegeram. É apenas uma evidência de lei em causa própria que na defesa de interesses
particulares, os e as parlamentares não observam sequer que contrariam preceito
constitucional de relevância à democracia representativa. Tampouco observam o
constrangimento que impõem à Constituição ao lhe proporem emenda revelando contradição
em seus preceitos.
Mas, excetuando a minha indignação, isso seria motivo de espanto? Creio
que não. Afinal, leis que se criam para benefício próprio não identifica suas
contradições menos ainda seus contraditórios. Em benefício próprio porque beneficia
apenas a pessoa que se desfilia, incentivando-a a perseguir seus interesses
particulares em vez dos interesses da população. Estes, certamente não são a
unidade de medida entre o permanecer no partido e o partir para outro que
possibilite voos pessoais. Se fosse, será que não valeria a pena “engolir os
sapos” do ofício durante o mandato? Um mandato assegurado pela sigla do
partido? Por mais frágeis que sejam as suas letras e as suas ideias?
Esse é apenas um exemplo que demonstra a fragilidade ou inconsistência de
determinadas leis eleitorais. Fragilidades porque não avaliam suas
consequências e as condutas adversas por elas motivadas. Inconsistências porque
se colocam ao sabor das subjetividades e nelas sucumbem. No caso da Lei 9.096/1996,
o seu artigo 22-A para ser justo e preciso deveria se grafar da seguinte forma:
“Perderão o mandato os detentores e as detentoras de cargo eletivo que se
desfiliarem do partido pelo qual foram eleitos e eleitas”. Sem mais delongas.
Você terminou
de conhecer o décimo segundo conteúdo do caminho SMF Fé e Política.
Espero que
tenha gostado e continue acompanhando os conteúdos da sequência.
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A você, meus
agradecimentos!
A Paz esteja com você!
Sônia Ferreira
Teresina, 25 de setembro de 2021.:
[1] BRASIL. Lei nº 13.165 de 29 de setembro de 2015. Altera as Leis nº 9.504, de 30 de setembro de 1997; 9.096, de 19 de setembro de 1995; e 4.737, de 15 de julho de 1965 para reduzir os custos das campanhas eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a participação feminina.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13165.htm Acesso em: 25 set 21
[2]
Idem.
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