sábado, 25 de setembro de 2021

Lei dos Partidos Políticos e Desfiliação Partidária sem Perda do Mandato


LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS E DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM PERDA DO MANDATO

A “JUSTA CAUSA” QUE CONTRARIA O PRECEITO CONSTITUCIONAL DA ELEGIBILIDADE

 

A Constituição de 1988 estabelece em seu Art. 14, § 3º sete condições para que um eleitor ou eleitora torne-se elegível em eleições partidárias. São as condições de elegibilidade. Dentre estas, a filiação partidária. Tem-se, pois, um preceito constitucional pelo qual somente pode concorrer a cargo eletivo o eleitor e a eleitora filiada e filiado a partido político. Por esse preceito, nenhum candidato ou candidata eleita ou eleito deveria permanecer sem filiação partidária depois de eleito ou eleita.

 No entanto, contraditoriamente, a Lei nº 9.096/1996 dos Partidos Políticos contrapõe-se a esse preceito, pois além de não cassar o mandato de eleitos e eleitas que se desfiliam do partido pelo qual se elegeram, ainda permite que permaneçam sem partido indefinidamente. Essa lei prescreve que “perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.” (BRASIL, 2015).[1] Justa causa!?

Como se não se referisse a um absurdo, a referida lei ainda o define (§ Único, Incisos I a III), afirmando o que considera justa causa: “I – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; II – grave discriminação política pessoal; e III – mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.” (BRASIL, 1915).[2]

Em vez da definição, a cassação do mandato deveria ser certa e imediata, independentemente de quaisquer circunstâncias que motivassem a insatisfação do eleito ou da eleita com o seu partido pelo simples fato da posteridade do ato. No dia da eleição, tais circunstâncias não existiam. E o que viesse a existir, certamente não alteraria a posição do eleito e da eleita nem do seu partido caso estivessem amparados e amparada no princípio da coletividade, no ideal do Bem Comum. Princípio esse que não muda ao sabor das circunstâncias.

Em vez disso, como visto, a lei atribui à perda do mandato apenas a eleito ou eleita que se desfilia “sem justa causa” como se houvesse uma causa posterior ao momento da eleição que justificasse a desfiliação. Nisto consiste o absurdo porque em se tratando de desfiliação partidária essa causa não existe.

Tal inexistência decorre de pelo menos duas razões: uma, porque a desfiliação depois de assegurado o mandato contraria o preceito constitucional que requer a filiação como condição de elegibilidade; outra, porque o que a lei considera justa causa coloca à disposição do eleito e da eleita uma justificativa embasada sobretudo em critérios subjetivos dificilmente verificáveis. Senão vejamos:

1) O que seria “mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário”? O enunciado sugere que o partido em mudando o programa partidário a pessoa eleita poderia se desfiliar. Por outro lado, a pessoa em se desviando do programa o partido poderia lhe cassar o mandato. Mas quais partidos dispõem de um programa partidário que funcione na prática legislativa a ponto de a pessoa eleita se desviar dele? Objetivamente, como seria avaliada essa mudança e esse desvio? Neste caso, o que vemos não raras vezes são pessoas ligadas a uma sigla para por meio dela alcançar votos. Nada além. Que me negue o que afirmo a tal “janela partidária” proposta pela mesma lei que considera a “justa causa” e que permite a desfiliação sem perda do mandato.

2) Em relação à “grave discriminação política pessoal” quais seriam os critérios objetivos que pudessem avaliar essa gravidade? A lei também não define o que seria “discriminação política”. Então, como essa discriminação seria avaliada fora do ângulo de visão da pessoa eleita? De qualquer forma, sugere que essa discriminação seria no próprio partido. Então, em que condições a pessoa eleita se sentiria discriminada politicamente em seu partido a tal ponto de se desfiliar? Somente depois de eleita é que ela teria percebido a discriminação?

3) Em relação à mudança de partido até trinta dias antes do prazo de filiação para concorrer às eleições, é a constatação de que a própria lei possibilita essa mudança sem perda de mandato. Logo, não existe “justa causa” que leve os eleitos e as eleitas perderem o mandato ao se desfiliarem do partido pelo qual se elegeram. É apenas uma evidência de lei em causa própria que na defesa de interesses particulares, os e as parlamentares não observam sequer que contrariam preceito constitucional de relevância à democracia representativa. Tampouco observam o constrangimento que impõem à Constituição ao lhe proporem emenda revelando contradição em seus preceitos.

Mas, excetuando a minha indignação, isso seria motivo de espanto? Creio que não. Afinal, leis que se criam para benefício próprio não identifica suas contradições menos ainda seus contraditórios. Em benefício próprio porque beneficia apenas a pessoa que se desfilia, incentivando-a a perseguir seus interesses particulares em vez dos interesses da população. Estes, certamente não são a unidade de medida entre o permanecer no partido e o partir para outro que possibilite voos pessoais. Se fosse, será que não valeria a pena “engolir os sapos” do ofício durante o mandato? Um mandato assegurado pela sigla do partido? Por mais frágeis que sejam as suas letras e as suas ideias?

Esse é apenas um exemplo que demonstra a fragilidade ou inconsistência de determinadas leis eleitorais. Fragilidades porque não avaliam suas consequências e as condutas adversas por elas motivadas. Inconsistências porque se colocam ao sabor das subjetividades e nelas sucumbem. No caso da Lei 9.096/1996, o seu artigo 22-A para ser justo e preciso deveria se grafar da seguinte forma: “Perderão o mandato os detentores e as detentoras de cargo eletivo que se desfiliarem do partido pelo qual foram eleitos e eleitas”. Sem mais delongas.


Você terminou de conhecer o décimo segundo conteúdo do caminho SMF Fé e Política.

Espero que tenha gostado e continue acompanhando os conteúdos da sequência.

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A você, meus agradecimentos!

A Paz esteja com você! 

Sônia Ferreira

Teresina, 25 de setembro de 2021.:

 



[1] BRASIL. Lei nº 13.165 de 29 de setembro de 2015. Altera as Leis nº 9.504, de 30 de setembro de 1997; 9.096, de 19 de setembro de 1995; e 4.737, de 15 de julho de 1965 para reduzir os custos das campanhas eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a participação feminina.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13165.htm Acesso em: 25 set 21

[2] Idem.


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